Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 318
Data:
15/11/2002
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A esta terra podia Shakespeare ter dedicado o verso “Green are the fields”. Verde é tudo o que nos rodeia. O conversível verde, um Lagonda original dos anos 30, acelera por entre os campos verdes. Derrapa nas curvas molhadas em direção a Chipping, a aldeia mais próxima, construída em pedra tosca, emoldurada por árvores centenárias, verdes e recentemente eleita uma das três mais belas localidades do countryside inglês no concurso anual “Best Kept Village Competition”. Toda a região do Ribble Valley, em Lancashire, a menos de uma hora de carro do aeroporto de Manchester, se estende em tons esverdeados e toda ela, para onde quer que se olhe, está conservada com rigor vitoriano.  
Verde de susto está também o passageiro que acompanha a destemida motorista, Janet Simpson, proprietária do hotel rural Gibbon Bridge. À entrada da vila, a motorista freia, dá uma guinada ao volante e o carro desliza perigosamente sobre a calçada esverdeada de musgo até ao muro do velho edifício bem em frente à porta do pub. Com o reflexo de um airbag, o carona apoiou as mãos no tablier de madeira com laca do velho Lagonda evitando uma colisão de terceiro grau entre a ponta do nariz e o pequeno pára-brisas. No balcão, enfim, a cor muda para o negro da cerveja Back Sheep. Depois de vários points, já de espírito relaxado, revive-se o passado em Lancashire, mesmo que só o assimilado pela leitura, e compara-se com o presente vivido ao longo de dias tranquilos e muito british. Tudo o que é inglês enquadra-se na perfeição da moldura destas paisagens: o espírito chá, scones e aventura de Enid Blynton, as séries com veterinários, as personagens de Conan Doyle, as aventuras de colégio, as lendas druidas, os épicos históricos ou os dramas aristocráticos. Mas tudo com a sonoridade saudavelmente campestre e inconfundível do Lancashire accent.  
Um pouco de história – “A Rainha quer vir para cá quando se aposentar, sabia?”. Será que o príncipe Charles sabe? Fato é que se passa por extensos terrenos de sua majestade, devidamente assinalados com as insígnias reais. “Uma amiga minha foi recentemente ao mercado e quando olhou para o lado viu que era a rainha. Ela é uma pessoa sooo normal”. Um pouco mais à frente, um apontamento histórico: “Por esta ponte passou Cromwell a caminho da batalha contra os escoceses”, e a ponte em ruínas arqueia-se impertubável por cima do riacho sem se preocupar com o efêmero republicano que lhe teceu a lenda. Um velho palácio, Stonyhurst’s, brilha imponente no topo de uma colina: “Neste colégio jesuíta andou Sir Arthur Conan Doyle e aqui estudaram também os filhos de Tolkien, e pensar que o autor do Senhor dos Anéis se inspirou nestas paisagens”. Também a criadora de Harry Potter teria ido beber e comer dos campos verdes, dos riachos, das lendas de Lancashire – e do próprio Tolkien, claro – antes de escrever os seus best sellers. Não são só os escritores, os fotógrafos tem a vida igualmente facilitada. Para onde quer que apontem a objetiva tudo é very, very picturesque. Nada destoa. Nem uma janela de alumínio, nem um monte de entulho, nem uma fachada que desvirtue o modelo de paisagem histórica.  
Bruxas de Pendle Hill – É aqui que em 1612 o paranóico monarca Jaime manda os juízes de paz denunciar os súditos que não vão à comunhão protestante. E é nesse ano que são executadas no castelo de Lancaster as bruxas de Pendle Hill, meia dúzia de pobres mulheres camponesas, o marido de uma delas e um filho. As acusações vão da tentativa de curar uma vaca através de feitiços – o bovino acaba por morrer – de uma questão relacionada com cerveja, cujo azedar teria sido provocado por artes obscuras, até pragas rogadas, manipulação de figuras de barro para causar doenças e reuniões suspeitas numa Sexta-feira Santa. A principal testemunha é uma criança de 9 anos de idade, e como em tantos destes processos, a matéria da acusação acaba por ser plenamente coincidente com as confissões extorquidas.  
Das bruxas de Pendle Hill resta hoje em dia um temor histórico, transformado em lenda e em pequena indústria de souvenires. Mas os habitantes da região adoram contar outras curiosidades locais. Foi também em Pendle Hill que George Fox teve uma visão em 1640 que o levou a fundar a seita dos Quaker. Perto de Dumsop Bridge, numa das 44 aldeias do Vale de Ribble, encontra-se o centro geográfico de todas as ilhas britânicas, de acordo com um levantamento de 1992. E para quem não se impressiona com bruxaria, festivais de música, referências literárias, histórias em que se tropeça a cada passo, marcos geográficos ou uma paisagem classificada de Outstanding Natural Beauty, há mais: foi em Dunsop que a British Telecom instalou a sua 100.000ª cabine telefônica, devidamente assinalada com uma placa comemorativa. Se a cabine estiver ocupada e você quiser telefonar, não desespere e vá adiante: recentemente foi inaugurado o “Passeio através do Centro do Reino”, um percurso para caminhantes, à volta do vale de Ribble, com uma extensão total de mais de 70 quilômetros.  
Outras pessoas – Pendle Hill e o seu extenso planalto ainda dominam a paisagem e ao anoitecer não custa imaginar bruxas montadas em vassouras a esvoaçar pelos céus. Em meados de maio, o sol aquece o vale do Ribble, mas logo a seguir chuvisca outros tantos dias e as aldeias escondem-se entre bancos de neblina. Who cares? Quem quer tomar banhos de sol pode ir para a República Dominicana ou às Baleares. O countryside inglês é para outro tipo de gente. Basta sair à rua de chapéu de chuva na mão e dar meia dúzia de enérgicas passadas – umbrella quer dizer sombrinha mas a verdade é que serve mais para proteger da chuva do que do sol – e sentimo-nos logo um pouco gentlemantourist, mesmo sem casaco de tweed. E no topo das colinas há sempre uma casa que pertence a um lorde que por sua vez é dono de metade dos campos e aldeias.  
Depois dos longos passeios que a região oferece, ou de umas tacadas de golfe, quando a fome aperta, e se não encontrar nenhuma salsicha ao seu gosto entre as quase 60 diferentes espécies à venda no talho Cowmans em Clitheroe, não desespere.  
A cozinha inglesa – definitivamente – não merece mais a má fama que tinha: está excelente e pode ser recomendada tranquilamente  
 
Uma mesa inglesa  
Recentemente, Janet Simpson, a proprietária do Gibbon Bridge, um original hotel e restaurante de luxo (www.gibbon-brid-ge.co.uk) em Lancashire, organizou no Hotel do Caramulo uma semana gastronômica inglesa. Agora, quem quiser conhecer a cozinha de Janet Simpson e do chef Gary Baxton tem mesmo de ir até ao countryside inglês, a Ribble Valley, próximo da Escócia. O Gibbon Bridge, a 45 minutos do aeroporto de Manchester, é um hotel rural de quatro estrelas, com heliporto próprio, salas de conferência, plataforma de pesca de rio, ginásio, tênis, produção agrícola ecológica e grandes e premiados jardins. Num total de 30 quartos, há até uma suíte com jardim privado, resguardado de todos os olhares. Contrastando com tanta sofisticação e luxo, a simplicidade da sua proprietária, Janet Simpson, que tanto dá uma mão sábia na cozinha como trabalha na recepção. No restaurante há especialidades imperdíveis: o Black Pudding, os queijos de Lancashire, o pato assado ou os excelentes pratos de salmão.  
 

  
Chás, scones e aventuras nas terras onde Sherlock Holmes andou na escola

Lancashire. Rible Valley e a nada convencional proprietária do hotel Gibbon Bridge, Janet Simpson, no seu velho Lagonda dos anos 30





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