O romantismo morreu?

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Fazem parte da geração em que tudo parece descartável. Poderão as relações seguir esse caminho? Fomos saber como namoram os adolescentes... Há muito que ouvem as histórias dos pais e avós sobre como tudo era tão diferente no tempo deles. Começando pelos namoros de antigamente. Trocavam cartas, viam-se apertados pelas regras e geriam o controle dos pais. Para um adolescente de hoje, namorar é bem diferente.

O romantismo morreu?

 

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Contaram-me que beijar em pleno parque era proibido e que, por respeito, se beijavam no rosto, tratavam a pessoa amada por você e pediam permissão aos pais para namorar." Essas histórias fazem-no olhar para o mundo em que vive e chegar a uma conclusão: "Um adolescente que voltasse a essa época entraria em choque." Aos 18 anos, João Barbosa considera que o tempo mudou a forma de namorar. "Na época dos meus avós, a primeira namorada teria de ser para casar."

Já são cinco os anos que tem de recuar para falar da primeira namorada. "Eu tinha 13 anos e dava só uns beijinhos. Mas deixavam-me vermelho e envergonhado." Foi amadurecendo e quis ter uma relação "mais a sério": tinha 14 anos. Conheceu uma garota numa colónia de férias e a ligação não ficou por uma paixão sazonal, pois descobriram que viviam perto e as famílias até se conheciam. Namoraram dois anos e dois meses - tempo meticulosamente registrado, como em qualquer namoro de adolescência.

Desses tempos, diz, ficam recordações. Agora, prestes a entrar na faculdade na área de Turismo, a namorada já é outra, há mais de um ano. Uma relação que o leva a revelar o seu lado mais romântico. "Em dias chuvosos ficamos em casa. Se estiver fazendo sol, pego na mão dela, olhamos para o mapa do metrô e decidimos onde sair", conta. “Sou defensor de um passeio pelos parques e jardins da cidade”.

Gostar de relacionamentos mais sérios e duradouros surge quando se é também "mais velho e maduro", ou seja, com 17 ou 18 anos, aponta. Mas nem todos os adolescentes pensam assim. "Há quem ache que estar com uma garota uma semana é uma eternidade. E querem apenas experimentar caras novas, aproveitar e 'curtir' esta fase da vida, seja com uma ou mais garotas", acrescenta.

Nesta fase da vida aprende-se a viver, a gerir sentimentos, sensações e o próprio corpo. A gente vai se confrontado com um turbilhão de novas sensações. Assim, os namoros de adolescência - período que se estende dos 10 aos 18 anos - assumem grande importância. "São vividos como grandes amores que permitem a aprendizagem de uma intimidade, da capacidade de conquista e de alargamento relacional para fora do meio familiar", explica Ângelo de Sousa, psicólogo.

A grande diferença é que hoje essa intensidade de sentimentos pode ser vivida de forma mais aberta. O especialista afirma que a expressão da sensualidade ganhou novas tonalidades. "O romantismo e a sexualidade têm novas formas, linguagens, literalmente novas roupagens e outra estética. Mas na essência é o poder da atração e necessidade afetiva da relação humana. E isso vem do tempo dos avós, dos avós dos avós...” Mantém-se a essência, mudou o estilo.

A noção do que é romântico para um adolescente não mudou muito: flores, passeios, surpresas, diz o psicólogo. E Rafael Leitão define o que é ser romântico de forma clara: "É ser amoroso." O que lamenta é as relações durarem tão pouco tempo. "Eu namoro há um ano, mas muitas vezes o que acontece quando se é novo é não dar importância suficiente à outra pessoa." Já o Tiago Campos aponta duas sugestões para um dia romântico. Um jantar à luz das velas é uma delas. A segunda sugestão talvez exija mais liberdade do que aquela que os avós dele tinham aos 17 anos: "Um fim de semana a dois.”.

É rindo que conta ter começado a namorar cedo, numa idade em que a bola de futebol ainda seria uma companhia. "Tinha 10 anos, mas acho que é quando se começa a ter uns relacionamentos curtos e passageiros." No vocabulário juvenil, designam esses namoros rápidos e descartáveis por 'ficar'. "Deixam recordações, ajudam a crescer e são uma forma de socializar", acrescenta. Agora a vida é diferente: namorou um ano porque procurava estabilidade. Lembra que já cresceu. Contudo, existe sempre uma fase de namoros passageiros entre relações mais sérias: "É um tempo em que se procura alguém”.

Também a Catarina Carmo, aos 16 anos, fala dessa procura incessante. "Não me sinto diferente se não tenho namorado, mas entre as garotas há uma preocupação em ter alguém." Daí que encontrar um rapaz seja sinônimo de um fim passageiro para essa procura. Ângelo de Sousa explica o processo. "Só gosta do outro aquele que gosta de si próprio e o namoro é o virar para fora a capacidade de amar. É um movimento que não tem receita única: faz-se num percurso subjetivo, construído nas múltiplas relações ao longo do crescimento."

Para saber como é que os adolescentes têm essas múltiplas relações, é preciso perceber como se conhecem. E isso exige olhar para as novas tecnologias. "As saídas à noite e a Internet são as formas mais habituais para conhecer gente", conta a Daniela Ferreira, 16 anos, lembrando ainda a escola como ponto de encontro. E depois de se conhecerem, como comunicam? "São raras as pessoas que escrevem cartas. É tudo por SMS ou por e-mail." Tanto a Catarina como a Daniela partilham a mesma opinião: para se conhecer um rapaz é preciso mais do que os celulares e os computadores, mas os SMS e os e-mails podem ajudar. "Envio 300 SMS por dia e, através das mensagens, começo a desenhar os traços da personalidade da pessoa. Avalia-se pelas palavras usadas e até pelos sinais de pontuação", explica a Catarina. "Dá para perceber como reage e se é uma pessoa calma ou agressiva." Assumem ter um código específico e comum, alargado ao mundo adolescente. E agora já sem necessidade de abreviaturas, pois lá vai o tempo em que se poupavam mensagens: "Hoje os SMS são quase ilimitados e gratuitos.”.

Depois de se conhecerem pelo MSN, encontram-se. Dependem das tardes livres de aulas e, por vezes, das horas definidas pelos pais. Ir tomar um sorvete, dar um passeio no jardim, ir até ao café, passear num Shopping, sair à noite. Ou uma ida ao cinema. "Acho que o cinema é sempre especial, seja no início de um namoro, seja três anos depois." E é há mais de três anos que a Cláudia Fernandes namora com um colega de turma. O primeiro namoro foi aos 11. "Ele pediu-me mesmo em namoro, como antigamente. Estivemos juntos 18 meses." Sente que, por ser mais experiente, as amigas lhe pedem conselhos. "É verdade que hoje as coisas acontecem muito depressa. A palavra 'te amo' surge rapidamente e as relações sexuais também."

José Machado Pais, sociólogo, investigador e coordenador do Observatório Permanente da Juventude, defende que "hoje se assiste à reivindicação do prazer sexual". Mas os adolescentes têm perspectivas diferentes sobre o assunto. "As atitudes não são uniformes. Há mesmo jovens que manifestam uma inquietação perante o que se poderia denominar uma 'banalização da sexualidade." Questionam, no fundo, o significado da sexualidade desprovida de afeto.

Sem generalizar - até porque cada um tem o seu contexto e ambiente social, educativo e cultural - questiona-se se a forma como os adolescentes reivindicam o prazer e a maior abertura que têm para viver os namoros poderão alterar a noção de compromisso. "Nos tempos que correm a pessoa vale mais que o vínculo. Os laços afetivos tendem a ser vistos como dissolúveis. Surgem dúvidas sobre a possibilidade de se amar uma pessoa para sempre", responde José Machado Pais. "Apesar da dissolubilidade do casamento, ou precisamente por isso, aumentam os receios do divórcio, à espreita em qualquer esquina do desentendimento conjugal. Mas há também uma recusa em tornar o divórcio um drama, provavelmente reflexo dessa nova cultura afetiva: de encarta e descarta, ao sabor das contingências da vida."

Visto por um adolescente, a conversa é mais simples: "O casamento passou a ser tradição e já não uma obrigação." Mesmo assim, tanto imaginam um dia vir a casar (todos dizem que só depois dos 25 anos) como põem de parte a ideia. "Viver com alguém sim, agora casar nem pensar", assegura a Catarina. A idade média de casamento reflete essa evolução.

"Antigamente, o vínculo jurídico - do casamento para toda a vida - sobrepunha-se ao vínculo amoroso. Hoje, a preocupação é que os relacionamentos afetivos sejam expressão de uma autonomia de escolha, de projetos marcados pela felicidade", acrescenta. Daí que a ruptura surja como solução para a instabilidade.

O que os adolescentes asseguram é que isso não lhes passa ao lado. Sabem que as cartas foram substituídas pelos telefones celulares, que as regras são mais suaves e que o controle dos pais passa quase despercebido. Reconhecem que dar a mão é simples e que um primeiro beijo passa rápido. Lembram que hoje cada um define o amor como quer, mas asseguram guardar recordações. Podem ser relações perdidas, mas esta não é uma fase de romantismo perdido, lembra Ângelo de Sousa. "Os namoros deixam-lhes lembranças fantásticas e também cicatrizes - saradas, espera-se - que guardarão pela vida a fora."

 


Autor: Byagn/Agpress
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