Dr. Teago; uma benção

(Texto produzido originalmente em 08 de julho de 2009. Dr. Teago faleceu hoje aos 92 anos de idade. Uma perda irreparável!) Nesse clima, com um friozinho de primavera européia, lembrei de personagens que fizeram e alguns que continuam fazendo parte da minha vida como meu padrinho Teago, Dr. Teago Ferreira de Carvalho, um gênio que sem qualquer diploma, transformou-se num brilhante advogado reconhecido por professores e doutores que frequentaram os melhores bancos de universidades deste país.

São 05,30 da manhã. O dia é chuvoso mas a visibilidade não é ruim. À porta da casa de Tidinha, redesenho a Rua da Igreja como ela era há pouco mais de cinquenta anos. No centro da praça já havia a estrutura da atual igreja com as paredes na altura de receber o telhado. Sobre elas, com mais de quinze metros de altura, para desespero de muitos, brinca de picula o Nego da Lindaura e outros moleques tão atrevidos como ele.

A antiga igreja construída no final do século XIX pelo beato Conselheiro (não confundir com o revolucionário Antonio Conselheiro) ocupava o canto esquerdo da praça e a parte dos fundos onde ficavam o altar e a sacristia estava ali à altura da casa de Joaninha de Pequeno. Aqui ao lado na casa que hoje está , lamentavelmente em ruínas, ainda moravam, Zeca, a profª Antonieta, seus filhos e o sogro Leontino, sempre á janela e com o dorso nu.

Numa passada d’olhos em volta da praça, lembro-me de algumas casas e seus moradores. Zeca da Doceira, Iaiá, Antonio André, Bobô, Viriato, pai das belíssimas Virisália, a Zalinha e, Celeste.A primeira,paixão do folclórico Torrado e ambas paixões inatingíveis de todos os mancebos da cidade. Aqui também moravam Benjamim Batista, Fulgêncio Abreu, Zeca Dantas, Neném da Quiló, professora e emérita organista da Igreja Católica,Moisés Abreu e minha saudosa madrinha Divina Maia...

Hoje, uma orquestra de pássaros ainda gorjeia ao amanhecer, logo depois do cantar dos galos e do alvoroço de gatas no cio, inquilinas das ruínas da casa da profª Erotildes, a primeira educadora da cidade, mãe de Dominguinhos, de Zeca e de Ioiô da Professora, enciclopédia viva que recentemente nos deixou, aos 98 anos, recebendo entre outras homenagens, a de Roberto Pompeu de Toledo em um dos seus ensaios semanais na revista Veja.

(http://veja.abril.com.br/031007/pompeu.shtml)

Nesse clima, com um friozinho de primavera européia, lembrei de personagens que fizeram e alguns que continuam fazendo parte da minha vida como meu padrinho Teago, Dr. Teago Ferreira de Carvalho, um gênio que sem qualquer diploma, transformou-se num brilhante advogado reconhecido por professores e doutores que frequentaram os melhores bancos de universidades deste país.

Ele começou a embrenhar pelos caminhos do Direito ali pelo início dos anos 40 quando foi escrivão dos juizados do crime e do cível. José Aras em seu livro “No Sertão do Conselheiro” conta que chegou a trabalhar como escrivão recebendo de Teago, que na época tinha pouco mais de 20 anos, as orientações fundamentais para o exercício da função.

A partir do final dos anos cinquenta,eu com 11 anos e com 06 o Humberto de Jonas, ambos afilhados de Teago,nos enfatiotávamos para no dia 23 de dezembro visitar o seu escritório que à época,ficava mais ou menos em frente da casa de Ioiô Dantas. Lá sentávamo-nos solenemente e aguardávamos por alguns minutos o padrinho que depois de nos abençoar,colocava nos bolsos das nossas camisas já providencialmente entreabertos, uma nota de cinco cruzeiros novinha em folha,provavelmente escolhida especialmente para a ocasião. Abençoados e endinheirados ,queimávamos as “cinco pratas” entre as cocadas de leite da Maria Senhora,as pipocas do Zeca,os pães amanteigados do João Costa, os quebra-queixos do Catarinão e outras guloseimas mais. Ótimos tempos!

Benemérito fundador da Associação dos Vicentinos que até hoje faz um trabalho de alcance social inestimável, Teago é uma espécie de consultor familiar. Lembro-me dele aconselhando os compadres Jaime e Mariá, meus pais, em momentos de desentendimento do casal e sei que ele fez isso por várias outras famílias.

Teago foi vereador por três legislaturas. Em 1954, época em que o maniqueísmo político elegera dois partidos sob a ótica de cada um, como o bem ou o mal, foi lançado candidato a prefeito pela UDN - União Democrática Nacional. O adversário, Antonio Batista de Carvalho, pelo PSD - Partido Social Democrata. Teago perdeu por 68 votos. Conta-se, que meses depois, num valão da Rua da bomba, foi encontrado um pacote com 300 títulos de eleitor...

A cidade perdeu um político e a Justiça ganhou um defensor implacável do Direito. Após receber da OAB o titulo de advogado provisionado, Teago brilhou nos tribunais até passar o bastão para o filho, Tiago Junior, diplomado Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Por muito tempo a comunidade questionou quem seria melhor advogado, o pai provisionado ou o filho letrado. Com humildade, Tiago Junior costuma dizer que o pai era e é melhor... Quanto ao caráter, entretanto, nunca houve dúvidas; o filho herdou o do pai.

 

Autor: Celso Mathias
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