A china copia lavoisier

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Na China nada se cria. Tudo se copia e tudo se falsifica. A noção de cópia não tem a mesma gravidade do ocidente. Nas artes, por exemplo, copiar a obra de um mestre é expressão de apreço pelo objeto copiado. Quanto mais perfeita a falsificação, mais admirado o falsificador

A china copia lavoisier


“HELLO, SIR”, Rua da Seda, ponto obrigatório de passagem de qualquer turista, onde é assediado por vendedores de todo o tipo de verdadeiros produtos falsos de marca

Os centros comerciais de Ya Show e da Rua da Seda, em Pequim — pontos de passagem obrigatórios de turistas — estão cheios de jovens vendedores que, aos gritos de “hello, Sir!”, “Gucci!”, “Louis Vuitton!”, “Omega” e outras marcas, propõem carteiras, camisolas, relógios e toda a espécie de artigos, pedindo 100 pelo que acabam vendendo por 10.

“O verdadeiro valor do que vendem nesses centros comerciais é o da hora suplementar que trabalham, clandestinamente, por conta própria depois do horário oficial, a fabricar os produtos encomendados pelas marcas Gucci, Louis Vuitton, Lacoste, etc.”, explica um cidadão chinês. “Os produtos que vendem são idênticos aos que produzem por encomenda para essas marcas. A diferença está na qualidade dos acabamentos. Todos sabem que um Jeans comprado no Ya Show precisa de novo zíper após uma semana de uso”.

Estes mecanismos de adulteração inserem-se num sistema de corrupção bem montado, mas são considerados por grande parte dos chineses como a única solução para os problemas com que se confrontam no dia-a-dia, e aos quais o regime não conseguiu ainda dar resposta.

A cidade de Jingdezhen, na província central de Jiangxi, onde durante as dinastias Qing e Ming os fornos imperiais produziam a famosa porcelana da época, é hoje o centro industrial chinês mais importante de produção de cópias de porcelana antiga (fang gu). Dafen, nos arredores de Shenzhen — a zona industrial especial, próxima de Hong-Kong e Macau —, é atualmente a maior aldeia mundial de pintura a óleo. A produção é feita a um ritmo de «fast-food», com um exército de pintores produzindo anualmente cerca de cinco milhões de quadros a óleo, reproduzindo em cadeia Van Gogh ou qualquer outro mestre. Os quadros destinam-se ao mercado chinês, a par de pinturas chinesas tradicionais ou obras célebres de pintores chineses contemporâneos, destinados a galerias e compradores ocidentais.

Copiar obras-primas é um elemento essencial da cultura chinesa. Na época Ming copiavam as obras da época Song, e na época Qing as obras do início da época Ming, inclusivamente com o selo imperial. Copiar é considerado uma forma de apreço, de consideração e de estima pelo objeto copiado.

Ai Wei Wei, um dos artistas contemporâneos chineses mais conceituados e mundialmente conhecidos, disse afirma “Na China a noção de copiar não tem uma conotação negativa, como tem no ocidente. As obras-primas dos grandes mestres eram geralmente cópias das obras de outros grandes mestres seus antepassados. Procurava-se com a cópia obter um trabalho melhor, mais perfeito do que o modelo. Esse era o verdadeiro objetivo e o verdadeiro valor residia precisamente na capacidade de fazê-lo. Se considerarmos a arte da caligrafia, sabemos que gerações inteiras de artistas, mestres e alunos, se dedicaram a reproduzir sistematicamente os mesmos caracteres. No ocidente o artista vive obcecado com a noção da originalidade da sua obra de arte. Ora a cópia pode ser mais perfeita do que o original”. E mostra um dos seus trabalhos, expostos na sala de sua casa, uma escultura de madeira que reproduz o mapa da China, e comenta: “Esta escultura é um trabalho meu. A pedido de uma galeria, que a queria pôr à venda, fiz reproduzir uma perfeitamente idêntica. Qual é o original e qual é a cópia ?” Filosofa

 Na China tudo se pode copiar e piratear. Tanto mais que a introdução, nos anos 80, de uma economia capitalista sem um quadro legislativo apropriado criou, numa sociedade intrinsecamente confucionista, mecanismos de corrupção em que a falsificação é vista como um meio de sobrevivência plenamente justificado. E deixou de visar apenas bens de consumo.

 Por toda a parte em Pequim, tanto nos bairros mais populares como nas zonas mais modernas, centenas de números de telefone escritos nas paredes propõem todo o tipo de documentos falsificados, desde a autorização de residência ao registro de automóveis, passando por certificados de trabalho ou tudo aquilo que seja difícil ou impossível de obter por via legal.

Por exemplo, o número de falsos divórcios aumentou consideravelmente nos últimos anos. Isto porque os montantes das indenizações nos casos de demolição da casa onde vive o casal ou de dispensa por encerramento da fábrica são duplicados no caso de os cônjuges se candidatarem separadamente.

Cao Fei, uma jovem professora de Inglês de Pequim, conta outra situação: “Os meus primos vivem na província e vieram expressamente a uma consulta no Hospital n.˚3 da Universidade de Pequim. Querem ter um filho, mas a minha prima não consegue engravidar. E este hospital é o que tem o melhor serviço. Quando lá chegamos percebemos que havia quem já estivesse lá esperando há dias. A alternativa para ser atendida mais rapidamente era ir comprar um dos primeiros lugares na fila a um chinês que me indicaram. Tivemos de pagar 400 kuai (40 €) por um lugar com um número mais baixo na fila de espera. E isto certamente com a conivência do pessoal do hospital”.

 O mesmo se passa em muitas outras situações, como a compra de um bilhete de primeira classe com “couchette” num vagão para PingYao, para onde há alguns anos isso seria impossível sem uma carta das autoridades ou um comprovante do local de trabalho. Hoje já é possível, mas é preciso passar pelos intermediários do mercado paralelo. Na China, hoje, qualquer documento legal tem o seu duplo ilegal.


Autor: James Dollinger
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Existe 1 comentário para esta publicação
quinta-feira, 25/2/2010 por Maria
A CHINA COPIA LAVOISIER.
James Dollinger, sua matéria é Real; parabéns! Mas acho uma questão de cultura mesmo, discordo totalmente...Obrigada.
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