Nos bastidores do Oscar

sábado, 20 de março de 2010

Noite afora, pelos corredores vê-se Jeff Bridges com o Oscar numa mão e uma taça de champagne na outra. O espetáculo teatral dos Oscare só é, em parte, para quem está em torno do palco. Devido às audiências televisivas globais o que se apresenta em cima do estrado é, sobretudo, para quem está sentado longe...

Nos bastidores do Oscar




...Na sala ou no quarto, de frente para a televisão ou para o computador, vendo o espetáculo numa tela menor. Ou seja, a coisa tem de ser avaliada sobretudo como uma produção para a tela  caseira e cada vez mais prevalente. Talvez tenha sido aí que a produção mais falhou. Fora duas ou três diatribes — o gozo feito ao filme “Paranormal Activity”, Ben Stiller a falar navi porque a outra opção teria sido aparecer com farda nazi —, o show caiu na sala como o morto cai no chão. O som produzido soou surdo e definitivo. Graças a Deus, ou pelo menos a Nossa Senhora de Los Angeles, tivemos direito a alguns discursos mesmo sentidos e que merecem respeito, como foram as declarações de amor conjugal feitas por Mo’Nique e Jeff Bridges, e, como estamos na pátria das cinderelas, Sandra Bullock lembrando que foi à custa de muito trabalho (e de bater nos pontos certos mesmo quando faz discursos de aceitação) que lhe deram um dos momentos mais altos da noite. A mãe alemã, Helga, também veio à baila, o que trouxe aquela noite de gala para um nível terno e generoso que conseguiu contrariar os arrebiques dourados de muita coisa falsa que paira por ali. Por todo o lado houve faíscas, mas a caverna do Kodak manteve-se como que assombrada no meio de um dos espetáculos mais modestos e sem ritmo da história do Oscar.

Na sala da imprensa, o ambiente foi dominado pelo barulho que rodeia as viragens históricas. No palco, os discursos são cortados a meio, mas, ali, os vencedores têm tempo para dizer o que lhes apetece. Com uma estátua na mão, Sandra Bullock diz que não tem medo de colocar numa mesma prateleira os dois prêmios que ganhou esta semana: o Oscar e o Razzie. “Dão perspectiva um ao outro. Equanimidade. Vão impedir que me leve demasiado a sério”, referiu ela sem dar tempo ao ataque inimigo. Para o jantar, agora que pode finalmente respirar fundo, a melhor atriz do ano vai pedir hambúrguer. Não, não tem medo que os botões, o zíper e os pespontos no seu vestido Marchesa saltem com a pressão.

Sandra não é a única que vem metalizada, dourada, prateada, coroada. Kate Winslet aparece num vestido estreito Yves Saint Laurent que lembra uma guerreira coberta de uma armadura inviolável. Cameron Diaz é outra que vem num vestido de luz encadeante. Mo’Nique trata todos os repórteres por sugar, o que levanta revoada de gargalhadas entre o contingente estrangeiro, porque o termo é mesmo em estilo Hattie McDaniel, a atriz de “E Tudo o Vento Levou” que ganhou o primeiro Oscar negro e é homenageada pela Mo’Nique não só no discurso de aceitação mas também pela camélia no penteado e por tanto palavreado doce.

A noite não acaba sem aparecer num dos corredores uma visão: Jeff Bridges com o Oscar numa mão e, na outra, um flute de Moët et Chandon. Lauren Bacall passa por ali, Javier Bardem espera no corredor enquanto a Penélope retoca o batom e, claro, Jennifer Lopez, ainda a única vedete que se atreve a ser espetacular, vigia num espelho os seus contornos traseiros no meio de uma flor em forma de vestido com rótulo Armani Privé. Tchim-tchim. No ar há várias conversas em idioma estrangeiro. A um canto, o austríaco Christoph Waltz fala alemão, outra vez. Depois da vitória assegurou que a época dos prêmios tem sido estonteante, mas capaz de deixar saudades. Jeff Bridges, que recebeu finalmente dois créditos há muito devidos (eleição e ovação de pé) concordou que a sua carreira tem sido feita de altos e baixos.



Kathryn Bigelow, essa, apareceu e reinou sem pestanejar, provando que, embora a Casa Branca ainda só esteja ao alcance das minorias, Hollywood já vai muito mais avançada na prática de dar os comandos a uma mulher. É ela a grande vencedora da noite, não só por ser a primeira mulher a receber um prêmio com tanta história mas, sobretudo, por ter feito o filme mais honrado do ano. Que emoção. Quando o show chega ao rubro, os nomes dos cinco realizadores nomeados são lidos antes de ser aberto o envelope. Há uma câmara colada à cara de James Cameron e outra à cara de Bigelow. Eram eles os únicos dois vencedores possíveis na categoria, e não tinha ficado claro se a academia ia dar razão ao virtuosismo técnico e aos lucros do filme “Avatar”, ou se, pelo contrário, ia ouvir o murmúrio angustiado retratado na intimidade de homens fardados dependentes do perigo e da guerra. O grande drama da noite terminou com o sorriso brilhante de Kathryn Bigelow. Dela e de todos os outros: cada nomeado recebeu, à saída, uma mala com presentes lá dentro. Um deles era um safári de luxo em África que custa 45 mil dólares.


Autor: Adolfo de Castro
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Existe 1 comentário para esta publicação
segunda-feira, 22/3/2010 por Maria
Nos Bastidores do Oscar.
Acho realmente um Show, a festa do Oscar. Gostaria muito de conhecer esse mundo diferente...!
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