Sexual tour;bastidores

domingo, 25 de abril de 2010

Quando recebi a notícia para aparecer na redação do jornal virtual alemão “Der schlaue Brasilienreisende”, “o sabido viajante pelo Brasil”, a fim de discutir um trabalho de “freelancer”, estava excitado demais para farejar algum problema.Mas chefe – disse eu. – Eu não posso me mostrar com uma dessas pessoas “públicas” em público! O gravador entre pratinhos e copos num barzinho da orla...

Sexual tour;bastidores


...As minhas quatro filhas estudam num colégio de freiras. A minha esposa e eu frequentamos a Igreja Nossa Senhora dos Desvalidos. Nós somos respeitados por toda comunidade paroquial. Padre Friedrich Wilhelm, seupatrício, não iria gostar nada dessa parada em que você quer me meter... –

Osório – disse o chefe. – Osório, não seja tonto! Use o telefone! Você se esqueceu que se trata de uma entrevista com uma call girl? Com uma massagista?

As perguntas criteriosamente preparadas, as folhas de papel presas na pranchetinha de acrílico – a mulher tinha saído para levar as crianças à escola - peguei o telefone sem fio e comecei a discar.

Os primeiros oito números estavam ocupados. Do intenso movimento nas linhas telefônicas deduzi uma ocupação animada em outro âmbito, em outra esfera... Finalmente, na nona tentativa, logo no décimo sexto toque atendeu a voz sonolenta de uma mulher.

Boa tarde – disse eu. – Meu Nome é Osório Matos da Silva Oliveira. Eu sou repórter do novo jornal virtual “Der schlaue Brasilienreisende”. Um informativo para turistas e empresários europeus. Nossa intenção é mostrar ao visitante em potencial tudo que o Brasil tem a oferecer de bom e bonito, aproximando-o ao máximo do nosso país... Uma entrevista com uma massagista, de uma profissional do sexo iria iluminar um tema mais que obscuro até então. Uma realidade, que em nossa opinião não deve ser ignorada por mais tempo... Se você fizer o favor de me responder algumas pergu... –

Um “clic” se fez em meu ouvido e eu estava de novo sozinho e no início de minhas tentativas. Continuei a discar, ouvindo o sinal de ocupado. Insisti, procurando novos números nos classificados do jornal local e discando de novo. De repente atendeu uma voz de homem. Surpreso, me sentindo apanhado num flagrante delito, desliguei o telefone.

Pensamentos grotescos invadiram o meu cérebro de heterossexual e homem macho. Menos a idéia de ter discado errado. Afinal de contas propagam, recomendam e apregoam naqueles anúncios todo tipo de Apolos, Adonis, Hércules e Zulus tanto a sua incansável prontidão como seus dotes físicos. Um chegou a vangloriar-se falando em 25 centímetros de sua descomunal masculinidade e eu me perguntei, de que maneira alguém poderia chegar a um resultado desses... Onde se poria o início da fita métrica, daquela régua de madeira? No “zero”? Como diante do perigo eminente de um metro do tipo “craveira”, daquela peça direita de seção quadrada e grossa de pau, com escala em baixo relevo, alguém poderia atingir a ereção...

Finalmente atendeu a voz de uma moça. Uma garota de vinte anos, natural de Vitória da Conquista, com nome de Leidejane. Com o meu coração batendo mais forte procurei uma saída rápida para evitar que me batessem de novo o telefone na cara. De repente surgiu a idéia salvadora.

Oi – disse eu. – Eu tenho um amigo estrangeiro, solteiro, que não fala português. Ele não quer passar a noite sozinho. Por isso ele me pediu para que o ajudasse em arranjar uma acompanhante. Posso lhe fazer algumas perguntas nesse sentido? –

Leidejane – Naturalmente – gorjeou a jovem.

Der schlaue Brasilienreisende, doravante DsB – Quanto você cobra por uma noite? O anúncio no jornal menciona o valor de R$ 80,00

Leidejane – 80 Reais mais táxi ida e volta para duas horas. Para a noite inteira cobro R$200,00. Em que hotel está o seu amigo? Qual é o nome dele? Uma vez conheci um alemão chamado Manfred... –

DsB – Friedrich Wilhelm está no Pero Vaz de Caminha Plaza e está esperando um telefonema meu. Diga-me, como você resolve o problema da comunicação, quando o seu cliente não sabe nada de nosso idioma, nadica de português? –

Leidejane – Não vejo problema nisso. Eu não sou tão experiente como outras profissionais, mas sou muito inteligente. Estou financiando os meus estudos com este trabalho. Você compreende? Você não prefere saber de minhas medidas, saber, como sou fisicamente? Não quer que eu lhe descreva a minha pessoa? –

DsB -  Eu gostaria de saber como você consegue deitar-se na cama e ter intimidades com uma pessoa que você não conhece, com quem não consegue trocar uma palavra sequer... ? –

Leidejane – Mímica! Eu falo com as mãos, com o corpo todo. Além do mais, cada um de nós sabe o que um espera do outro. –

DsB -  Friedrich Wilhelm tem um forte cheiro de corpo, parecendo um gambá. Ele também tem um chulé poderoso e halitose... tem um bafo de urubu brabeza -.

Leidejane - Eu sei o que fazer para que ele tome um banho e escove os dentes... Você não gostaria de saber como é o meu corpo? Sou mulata, bonita, tenho 1,69 de altura e todos os dentes, peso 56 kg, sou do tipo violão... bumbum grande seios pequenos, cabelos pretos do tipo rasta até o bumbum... Faço tudo... quase tudo... –

 DsB -  Você faz questão que o seu cliente use camisinha? O meu amigo me disse que não gosta de transar com preservativos. –

 Leidejane – Por mim, o seu amigo pode colar de suor, ter um corpo frio e pegajoso e cheirar como um peixe longe do mar e morto há tempos... Contra isto posso fazer algo. Uma possível transmissão de HIV só posso evitar usando camisinha. Sem preservativo não faço programa! –

 DsB -  Mesmo se ele aumenta o seu cachê? –

Leidejane - Por dinheiro nenhum no mundo –

DsB – E se ele na hora “aga” não conseguir colocar aquela borrachinha? –

Leidejane – Estes detalhes você pode deixar comigo. “Tenho cá os meus truques” –

 DsB -  Muito bem, agora vou ligar para o Friedrich Wilhelm. Telefono-lhe mais tarde! –

Leidejane – Diga ao seu amigo que eu cobro R$ 350,00... pelas condições de extrema insalubridade. Imagine se eu pego uma frieira, ou chatos, ou ácaros, baratas... ou coisa pior...-

Coloquei o telefone de lado e anotei os pontos mais importantes. Não satisfeito, liguei para mais alguns números da coluna “acompanhantes”. Adriana, uma gaúcha loira de 29 anos, com 1,73 de altura, cobraria a fortuna de R$ 700,00 por uma noite, enquanto Márcia, uma morena clara citava o valor de R$ 360,00. Conceição, uma jovem afro-brasileira de 18 anos, com cabelos curtos pixaim, faria o mesmo programa por apenas R$ 70,00.

 Essas informações deixaram evidentes que a regra brasileira: quanto mais escura a pele - menor salário, vigorava também na mais antiga das profissões...

 De noite, nós estávamos com visitas, tocou o telefone. Angélica, a nossa menorzinha, como sempre atendeu, anunciando o nome da pessoa que ligou, dizendo também o que ela queria... Em seguida ligaram todas as outras, querendo saber do paradeiro do cliente em potencial. Assunto, que a estas alturas eu já havia esquecido. A primeira chamada foi de Leidejane. Conceição ligou quatro vezes, Márcia duas e finalmente Adriana.

Eu havia esquecido que alguns telefones hoje em dias possuíam aqueles aparelhinhos que registravam o número das chamadas recebidas...

Foi uma tragédia ter que explicar à minha querida e santa esposa todos aqueles telefonemas... diante das crianças e das pessoas mais importantes da paróquia Nossa Senhora dos Desvalidos... inclusive Padre Friedrich Wilhelm.



“Texto de uma época em que ainda não sofria com prejuízos financeiros causados pelo poder público como hoje e ‘enquanto’ taverneiro do Bistrô PortoSol...”

Reinhard Lackinger é taverneiro. Ou escritor?


Autor: Reinhard Lackinger
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