EU,O VITÓRIA E A IMPLOSÃO

domingo, 5 de setembro de 2010

Ontem à noite me resolvi. Iria assistir à implosão do Estádio da Fonte Nova. Fiquei em dúvida vários dias por me assaltarem sentimentos de tristeza. Afinal, foi ali que me iniciei esportivamente, quando meu pai me levava para entrar em campo com o time do Vitória, e onde comecei, a partir de 1961 (Bahia 1 X 1 Santos), a assistir aos grande jogos (e depois, aos pequenos, mesmo!).

EU,O VITÓRIA E A IMPLOSÃO

Ouvimos uma série de explosões, muita poeira e o estádio estrebuchou. Alguns ensaiaram palmas, que não foram seguidas pela grande maioria.


Foi lá também que presenciei oito campeonatos do meu clube e, em especial, o único “bi” no estádio (o de 1964/1965) e sua entrada no segundo campeonato nacional, em 1972. A firma de meu pai, a Embacil, foi a encarregada da parte elétrica da obra de ampliação do estádio, que lhe possibilitou ter um anel superior, aumentando sua capacidade de 40 mil para mais de 90 mil pessoas. Minha despedida do estádio, entretanto, foi muito antes de sua interdição, quando assisti, no atual milênio, a vitória eletrizante do meu clube sobre o nosso arquirrival, por 6 X 5. Doravante só assistiria aos jogos em casa — leia-se a casa do meu clube, o Barradão.

Mas, voltando a minha decisão, levantei hoje às oito horas da madrugada e tomei café resolvido a enfrentar de cara o sentimento com a implosão.  Havia pensado em levar “painho” (agora com 88 anos), mas fiquei em dúvida sobre a emoção que experimentaria ao rever, nestas condições, a sua obra. O que me decidiu foi olhar pela janela (moro no bairro do Tororó que fica nas imediações do estádio) e ver o Dique do Tororó interditado aos veículos. Logo após, recebi o amável convite de “Lourdinha”, sindica de um prédio que fica na Rua José Duarte e que oferece melhor visibilidade do que o meu para o infortúnio, digo melhor, a implosão.

Às 9h30, vesti a minha camisa do Vitória e me dirigi ao terraço do referido prédio, observando com satisfação que ainda há locais onde pessoas de classe média se reúnem, em dias especiais. Os moradores foram chegando aos poucos: havia ali umas quarenta pessoas. Vimos gente no terraço de muitos prédios, inclusive uma equipe de filmagem. Havia seis helicópteros sobrevoando a área. Os moradores até acenaram com as mãos, esperando sair em algum programa de televisão. Alguém lembrou, brincando, que deveriam “ter cobrado ingressos” para ajudar o condomínio. Mas, como os torcedores do Vitória eram maioria, achamos que a renda deveria ser destinada a pagar o salário dos jogadores do “Já ía”, pois se não este iria mais tarde despencar na tabela.







Na hora marcada, às dez horas, a implosão não aconteceu. Não faltou quem dissesse que “issó é coisa da Bahia”, onde nem uma implosão começa na hora. Outro observou que ainda não havia sido formada a rede de televisão, é que estavam transmitindo o grande premio de automobilismo. Enquanto esperávamos, desfrutamos de agradáveis conversas. Procurei saber do pessoal mais próximo se haviam ido ao estádio. Uma senhora havia ido, mas “pra nunca mais voltar”. É que, para azar dela, foi na inauguração do anel superior e passou pelo mesmo sufoco que eu passei naquela que (esta sim!) seria a maior tragédia da Fonte Nova.

Fiquei surpreso com o número de pessoas ligadas pelo celular com a mídia. Várias pessoas estavam sintonizadas com a transmissão da TV e diziam “ainda nem começou a contagem regressiva”! Seria tipo réveillon, onde a decisão sobre a hora de implodir não caberia ao chefe da engenharia, mas o diretor da rede de televisão? Aproveitei pra ouvir os comentários. Alguém lembrou que o Ministério Público tinha colocado obstáculos à derrubada do estádio; mas que, nos últimos dias, havia feito um acordo para “baratear” a obra: ao invés de R$ 1,6 bi, havia passado pra R$ 1,4 bi… Outro observou que a implosão estava se realizando um mês antes das eleições. Não faltaram os “bairristas” magoados que afirmavam: “Só assim o bairro do Tororó sai na mídia mundial”!

Começaram a tocar músicas pelo celular. Dali a pouco, alguém disse: “chegou a hora”. A implosão atrasou 27 minutos (alguém contou), mas ocorreu. Ouvimos uma série de explosões (pareciam fogos juninos um pouco mais barulhentos), muita poeira e o estádio estrebuchou. Alguns ensaiaram palmas, que não foram seguidas pela grande maioria. Um garotinho chorou, mas não sei se devido ao barulho ou a tristeza. Quanto a mim, senti uma ponta de tristeza e saí logo após o “espetáculo”. Neste momento, ouvi um dos moradores dizer: “é triste”.


Autor: Franklin de Oliveira Júnior
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