Devaneios do taverneiro

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tentando por alguma ordem no que penso acerca de cultura, me vêm à mente as diferentes formas que o ser humano tem achado para se virar em cada ambiente, em cada canto neste planeta. Relevo do solo, rios, beira mar e praias, clima, recursos naturais, terremotos e tsunamis, inundações e secas têm norteado os indivíduos, criando padrões de comportamento. Um marujo enxerga o mundo de uma forma, um montanhês de outra.

Devaneios do taverneiro


Quem foge da falta de comida, mais cedo ou mais tarde terá que enfrentar a disputa com quem chegou primeiro ao Oasis de terra fértil.

Muitos de nós experimentam culturas diferentes apenas como uma fantasia carnavalesca. Alguns chegam a vestir sarongues, quimonos ou caftans tão logo descem do avião em Bali, no Japão, no Marrocos e só os tiram do corpo, depois de voltar triunfantemente para casa em Coração de Maria, em Chorrochó, ou em Santana do Carirí.

Penso que ser culto significa compreender o modo como estranhos se comportam, aceitando as respectivas diferenças e saber conviver com elas.

Quem estiver disposto a encarar essa aventura, logo logo vai tropeçar numa pedra enorme: o idioma!

Como toda e qualquer sociedade é composta de pessoas cultas, interessantes e de boa índole, mas também de plebe ignara, cretinos e indivíduos de sangue ruim, só há uma maneira de achar o interlocutor ideal: tentando falar com ele.

Nem sempre o inglês resolve. Tem gente interessante em Ouagadougou, em Kopfsberg bei Iggensbach ou em Lujan de Cuyo, que não fala inglês... e mesmo toda fluência neste idioma universal nem sempre garante a compreensão do outro. Lembro do exemplo do poeta Katsimbalis em "O Colosso de Maroussi" de Henry Miller, afirmando que os "causos" dele só podiam ser contados em grego e jamais traduzidos para o inglês...

Há quem fale rudimentos do idioma alheio. Essa pessoa achará o máximo, conseguir comunicar-se mesmo com uma pessoa nativa simples e de pouca cultura. Falar do tempo, de um quilo de batatas ou pedindo mais uma geladinha, já é muita coisa para uns.

Neste estágio, os habitantes de um país vizinho da Áustria levam uma enorme vantagem. E fácil entender o que eles dizem, já que habitualmente a conversa deles gira em torno de quantidades. Eles falam com naturalidade da segunda maior cidade do estado, onde fica a quarta maior torre de igreja do distrito e um estádio para 34.379 espectadores. De lá até a maior cidade do país são exatos 137 km e o automóvel deles, um Volkswagen, gasta 7,32 Litros para percorrer 100 quilômetros. Não importa a língua em que Franz Mustermann vai contando isso. Qualquer pessoa entende a narrativa dele. Não há conversa mais agradável para quem sofra de insônia e tenha um saco do tamanho de um rinoceronte negro adulto da Tanzânia.

Esse mesmo Franz Mustermann se depara com outra cultura, ao fazer turismo. Morando e trabalhando num país, onde na maior parte do ano faz frio, chove e neva, obrigando-o a usar botas com sola antiderrapante, ceroulas, meias e gorro de lã, casaco e capote, ele deseja passar as férias num lugar praiano com muito sol, "cerfecha" e "caipirrrinhaa", enrolando-se com umas putinhas e uns vagabundinhos, dispostos a descolar uma graninha em troca de algumas macaquices e, quem sabe, outros favores não tão inocentes assim.

Como Franz Mustermann, além de poucas palavras em português só sabe pensar de forma linear, logo chega a concluir que a sociedade baiana está no mesmo nível cultural da garotada da praia. Que há em Salvador, na Bahia e no Brasil pessoas cultas, preparadíssimas e de boa índole, ficará transparente para esses "Franz Mustermann da vida", para "Ferenc Nemeth" e para Francesco Tedesco" e outros visitantes interessados apenas no sol, na praia e na muvuca.

Por falar em Franz Mustermann... Conheci uns analfabetos nativos com conversa bem mais interessante do que muita gente com um currículo enooorme... incluindo uns políticos!

Com nossa infraestrutura física e cultural destruída, arrebentada e esquecida, a chance de ter por aqui um turismo de qualidade e rentável é nula!

Ninguém vai conhecer a verdadeira riqueza cultural que há nesta nossa terra!!!

A cultura que oferecemos aos turistas - que vêm a Salvador - se resume numa lata de "Iskó" gelada, numas bundas remexendo ao som de pagode e parangolé e numa chupança de beiços alheios ao som de trocentos trios elétricos.

Para alguns, tá muito bom assim! Desse jeito ganham uns bons trocados... e a cidade que se dane... os cidadãos também!

Pior é a cultura das nações mais ricas do planeta!!! Pior para os países, que esses todopoderosos resolvem bombardear até destruir tudo, inclusive a cultura, para depois reerguer nos moldes que lhes convém, impondo a cultura do mais forte e, quem sabe, mais cretino. Tenho acompanhado isso, assistindo televisão, lendo jornais pela internet.

Falando em cultura... até o espaço enorme e a visibilidade imensa que nossa mídia dá a bandas horríveis com músicas bobas e com letras cacofônicas é impressionante!

Nossa cultura é isso?

Nossa cultura se resume no axé e nesse neo-panteismo trioeletrizado com sacerdotes e sacerdotisas berrando para dentro de microfones e se requebrando em cima de palcos móveis ou fixos, com uma liturgia previsível e grotesca, tipo mãos para cima, bunda para trás???

É claro que não!

Temos mais bala na agulha em termos de cultura baiana!!!

Afirmo isso porque tenho a sorte de me relacionar com gente baiana culta e nobre desde quando cheguei a Salvador há mais de 40 anos

É exatamente essa gente que frequenta o Bistrô PortoSol. Pessoas, que já moraram e estudaram no exterior, tendo tido contato com outras culturas, não se incomodando com eventuais esquisitices de um taverneiro montanhês ligeiramente rústico, obrigado a defender o espaço dele de pessoas pouco ou nem um pouco acostumadas com tavernas temáticas com culinária austro-húngara, confundindo um espaço como o Bistrô PortoSol, onde se pratica Love food de forma artesanal há 10 anos, com um boteco de praia!.

Outro dia falarei mais do love food, que acaricia o paladar, enche a barriga, ao passo que desperta o apetite para o amor!!!
Prost Mahlzeit

 



Reinhard Lackinger,
o taverneiro do Bistrô PortoSol



Autor: Reinhard Lackinger
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Existe 1 comentário para esta publicação
domingo, 6/11/2011 por Neuza Ananias
Nossa Cultura é muito rica
Mais esquecida pelos mais jovens,que se iludem com tanto Axé-BumBum.Reportagem muito proveitosa.Abraço
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