Glória de Antônio André

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Naquela época era assim. Mulheres fortes identificadas com seus maridos carregavam nos seus nomes; os deles. Gloria de Antônio André, Mariá de Jaime Amorim, Lucy de Zé Dantas, Arlinda de Belarmino, Naide de Zezito, entre tantas outras que junto com seus pares construíram a cidade e a cidadania criando e educando filhos que continuam construindo e gerenciando essa cidade. Outros desses filhos transformaram - se em cidadãos do mundo e hoje, estão espalhados pelo Brasil e por outros continentes.

Glória de Antônio André




D. Gloria nasceu em Monte Santo e por volta de 1925 contraiu núpcias com Antônio André de Souza, euclidense da gema nascido na Praça Duque de Caxias, então Praça do Barracão, onde era realizada a feira livre dos sábados. Essa feira migrava entre a praça e a Rua da Igreja dependendo da corrente política que ocupava o poder. O Capitão Dantas quando intendente, matinha a feira na praça. Já seu adversário político o Major Antonino a transferia para frente da Igreja.

Antônio André, além de lidar com agropecuária, era um comerciante habilidoso. Seu primeiro comércio foi estabelecido na Praça do Barracão. E foi o seu estabelecimento que deu o primeiro nome à praça. Chamava-se Barracão do Antônio André. Quando a feira foi transferida para a Rua da Igreja, ele também transferiu para lá o seu Barracão onde comercializava secos e molhados, além de carne de boi e carneiro.

Na Praça da Igreja Antônio André construiu a casa aonde vieram a nascer a maioria dos seus 18 filhos da relação com D. Glória, dos quais 15 se criaram. Pela ordem de nascimento: Joãozito+, Bebé+, Mundinha+, Vavá, Nivaldo+, Carminha+, Cosme e Damião+ (gêmeos), Helinho, Dodó, Francisquinho+ (1986), Hélcio, Graça e Dinho (gêmeos) e Socorro. Os que estão assinalados com +, já não estão mais entre nós.

Mas a heroína dessa nossa história é D. Glória, amiga irmã de minha mãe Mariá que era madrinha de Dodó. Mundinha, uma das minhas madrinhas, era afilhada de meu avô Joaquim Matias. Essas relações transcendiam as amizades; era mesmo uma grande e unida família como não se vê mais nos dias de hoje.


D. Glória era alta para os padrões da mulher nordestina. Chegava a ser levemente curvada. Doce e determinada, era o esteio para criar e manter unida uma família daquele porte. Aos 70 anos, que não aparenta, o filho Helinho conta que todos tinham que contribuir para a manutenção da casa. “Pela manhã tínhamos de tirar leite das vacas e entregar para os fregueses. E não tinha essa de dizer que não ia. Todos nós tínhamos que trabalhar”, relembra o comerciante aposentado.

A casa de frente larga tinha uma porta central e cinco janelas que comunicavam as duas salas frontais com a animada Rua da Igreja. Os vizinhos da época eram, à esquerda, meu avô Joaquim Matias e à direita, Fulgêncio Abreu, seguido de Antônio de Terto, Otacílio Macedo, e a Prefeitura, na casa onde está hoje a Biblioteca Jaime Amorim da Silva. Curiosamente, Hélcio, um dos filhos de D.Glória , constituiu família nos Estados unidos onde vive até hoje. Veneranda, filha do vizinho Otacílio, constituiu família e carreira profissional na Holanda onde também reside. No local da antiga casa, funciona hoje o Emporium Teen.

Essa casa visitei várias vezes com minha mãe e depois como amigo de Hélcio, meu contemporâneo, namorador e farrista. Lá, vi e provei pela primeira vez uma bebida que era especialidade dele; ponche feito com pedaços de maçã e vinho Capelinha quente. Um luxo (sic)! Outra especialidade dele era o Leite de Camelo, uma mistura de cachaça com leite condensado. Frequentavam a casa, além de todas as meninas da cidade, entre outros amigos, o Odilon Costa, o saudoso Raimundinho de Diógenes que fez carreira musical como Raimundo Montessanto, o Gereba e o Vicente Barreto, serrinhense que viveu uma temporada por aqui e também se transformou em conceituado músico autor de sucessos como Morena Tropicana em parceria com Alceu Valença, entre outros.






Hélcio
no início dos anos 70 casou-se coma americana Patrícia Caracci e mudou-se para Rochester, terra da família dela. Lá, fez carreira na Kodak onde se aposentou como analista de sistemas. Tem dois filhos e três netos.




Fui o primeiro euclidense a visita-lo na nova pátria e voltei lá várias vezes onde tive oportunidade de acompanhar o desenvolvimento dos dois americanos legítimos, legítimos netos de nordestinos; Charles e Andrew são bem sucedidos profissionais. O primeiro, pai de três filhas  Grace, Hannah e Abigail, na foto coma avó Patrícia.




Minha mãe, a grande amiga de D. Glória, era uma mulher sensitiva. Não sei exatamente porque, mas acho que ela pressentiu a morte da amiga. Numa sexta feira em novembro de 1966, o dia amanheceu sombrio. A Rua da Igreja não tinha calçamento. Segurava a poeira do chão vermelho, um pouco de grama que se estendia entre a esquina da casa do Capitão Dantas (onde hoje mora o Zé Batista) e espalhava-se por toda lateral da praça passando em frente à Prefeitura e formava uma espécie de campo de futebol onde Osvaldo Dantas, Delço Matias, Joãozito de Belo e Hidelbrando Maia jogavam suas peladas com bola de meia), até chegar  à casa de Tidinha ( hoje em reforma ). E foi na casa de Tidinha, na época alugada a Nivaldo seu filho, que aos 66 anos, Maria da Glória Carvalho de Souza faleceu vítima de um infarto fulminante. Comoção! Lembro-me que naquele dia ventara muito. Na praça de terra vermelha redemoinhos daqueles que em língua inglesa chamam de “dust devil” varriam de lado a lado causando arrepios. Esse clima estendeu-se até o sábado quando D. glória finalmente descansou no Cemitério São José, cujo único caminho passava à sua porta.



Autor: Celso Mathias
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Existe 9 comentários para esta publicação
quinta-feira, 16/8/2012 por JOSÉ FREIRE DE ANDRADE
GLÓRIA DE ANTONIO ANDRÉ
Caro Celso, me emocionei com essa matéria sobre Dona Glória. Parecia nutrir um carinho especial por Hélcio, não sei. Uma doce mulher. Acho que o Francisquinho nunca mais foi mesmo depois da morte dela. Saudades. Obrigado.
sábado, 7/7/2012 por Enzio Carvalho da Mota
Glória de todos nós !!!
Parabéns Celso pela matéria que, por instantes, me aproximou de um passado tão distante !!! Sou filho da Dodó, ri e me emocionei muito com suas observações...Grande abraço. Enzio
sábado, 7/7/2012 por Eridan da Costa Santos Maia
Viva as Mulheres Euclidenses
Prezado Celso. Parabenizo-lhe pela brilhante reportagem sobre Dona Glória, ao tempo em que envio o meu incentivo para a continuidade da Conexão Euclidense a qual tem sido depositária da memória do Cumbe e região. Cordialmente, Eridan Maia
sábado, 7/7/2012 por Antenor Lago
Resgate
Essas matérias me fazem viajar no tempo e descobrir personagens dessa cidade que pouco conheço. Já estive na rua da igreja e aprecio auele casario. Quando voltar aí, vou rever as casas que fundamentam a história. Muito interessante a ideia
sábado, 7/7/2012 por nanda wichers
Saudades
Amigo!Este artigo mexeu profundamente comigo! A saudade mata a gente morena... Pois, a D. gloria!Vizinha comadre e amiga dos meus pais.Devota de Sao Jose.Bela epoca!Visitar Helcio e familia nos USA com o meu filho Ronan foi maravilhoso!O tio Helci
sexta-feira, 6/7/2012 por hc-maia
Folheando o Álbum do Passado..Vejo D. Glória!!
Revisitando a minha querida Rua da Igreja,vejo a figura linda e digna de D.Glória,senhora, mãe de uma farta prole,mas de perfil delicado,de fala mansa e pausada.A minha saudosa mãe nos orientava a lhe pedir a Bênção,em atitude de atenção e respeito.
sexta-feira, 6/7/2012 por Abreu (Zé da Tidinha)
Glória de toda cidade.
Sem esquecer que foi grande colaboradora das obras sociais, fazendo campanhas, coordenando a garotada para correr a praça com listas em busca de doações para a construção da Igreja Matriz.
sexta-feira, 6/7/2012 por Aparecida Mendes
Glória de Antonio André.
Emocionante! quem conviveu com estas pessoas, faz uma viagem profunda no tempo. E, o meu GRANDE AMIGO HELINHO, já ñ se faz mais amigos como antigamente. Gostaria que ele visse esta matéria. Obrigada.
sexta-feira, 6/7/2012 por Helcio
Gloria de Antonio Andre
Bom Dia Celso, Gostei muito do seu artigo. Excelente historia e bôas lembranças. Por um momento esquecemos o presente e voltamos para aquêle passado cheio de aventuras e inocência que nos formaram ao nosso estado presente. Parabéns. Do făn. “T
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