Berlim Mitte; eu estive aqui

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Fusão, evento, experimento: Os dez quilômetros quadrados do bairro Mitte, de Berlim, tornaram-se o lugar mais emocionante da Alemanha. Um parque de aventuras dos poderosos e criativos, que entre o Reichstag e a Praça Alexanderplatz, é alimentado por novas ideias. É onde a metrópole se renova diariamente, onde a cultura urbana é tão vital como em nenhuma outra cidade alemã. Neste meio tempo, todos já vieram para estes dez quilômetros quadrados de Berlim que simplesmente se chamam Mitte:

Berlim Mitte; eu estive aqui

Os políticos, os funcionários de federações, os funcionários federais, os produtores de Internet, todos os organizadores de eventos e produtores de filmes que agora querem seguir os galeristas, os artistas e os DJs, os quais estão dando vida ao velho centro de Berlim já há anos. O cineasta Helmut Dietl, muniquense nato abriu o seu escritório no Mitte. O roqueiro Udo Lindenberg, hamburguês nato, já se mudou faz tempo para o Hotel Adlon, na Praça Pariser Platz. Herbert Grönemeyer voltou de Londres, Armin Müller-Stahl, de Hollywood. Se a Alemanha possui um lugar de nível internacional, então ele é esse bairro Mitte, entre o Reichstag e a Alexander Platz, entre os Hackesche Höfe e a Potsdamer Platz. É um bairro central, nem bonito nem desleixado, nem idílico nem anárquico, nem elegante nem monumental, mas um pouco de tudo. É um bairro profundamente heterogêneo que só produz impressões, mas nunca uma imagem completa. Um bairro que não se enquadra em categorias e em definições abreviadas. Fusão. Antítese. Projeto. Evento.

O homem de paletó e camisa pretos só queria começar uma pequena revolução no Mitte. Ele queria ser subversivo. Cutucar o traseiro dos poderosos. O combatente das megalomanias e hegemonias nesse “lugar infeliz da história mundial”. Queria entrar no Mitte, invadir o centro do Mitte, porque nenhum outro lugar da Alemanha era adequado para ele. E agora, Claus Peymann está sentado sozinho num canto de um restaurante nobre, um pouco triste. E um tanto desesperado. Um tanto raivoso. E triste de novo. Faz um ano que Peymann é intendente do teatro Berliner Ensemble (BE), o grande teatro do famoso Bertolt Brecht. O teatro está quase sempre lotado, mas a revolução ainda não foi feita. Nem mesmo um ataque de flanco. Nem um pequeno. Pior ainda: os críticos acusam Peymann de ser Caxias, inofensivo e de contar papo furado. Em Viena o teriam apedrejado por algumas de suas provocações. Em Viena, diz Peymann, como intendente do Bürgertheater, só Deus estava acima dele. Aqui, no Mitte, é outra coisa. Não se ouve a agitação que ele faz. Nenhuma oposição. Nenhum escândalo. Nada nos tabloides. “Às vezes me sinto como num outro planeta”, diz Peymann.

Leste e Oeste. Como novo berlinense, Peymann já ficou muitas vezes desesperado com essa divisão que no Mitte não tem importância nenhuma. Nenhum canto da Alemanha é tão misturado como esse, mas Peymann ainda continua se sentindo um estranho nessa antiga parte socialista da cidade, tanto que está agora procurando uma grande peça atual para atrair o Leste e o Oeste ao teatro: uma grande obra, com a qual ele possa primeiramente sacudir o Mitte e depois, toda a cidade, pois ele ainda não considera Berlim uma metrópole verdadeira. Todavia já existiam uns indícios disto, aquele comichão que não há em nenhum outro lugar da Alemanha. 

Ela acordou novamente cedo. Foi ao padeiro comprar os deliciosos pãezinhos do velho Leste, montou na bicicleta e se foi em direção ao Mitte, de encontro ao ar fresco matutino, passando pelos últimos boêmios da noite, por montes de lixo e nuvens de todos os cheiros que ainda contam algo da noite anterior, tendo novamente aquela sensação libertadora: “Sim, isto é uma metrópole, esta é a minha cidade”. Nina Hoss está indo para um ensaio no Deustsches Theater, esse palco de ostentação da ex-RDA, onde está sueca se sente tão bem entre os colegas do Leste. “Em primeiro lugar a gente tem que engolir esse modo berlinense direto”, diz ela. “Mas depois, é maravilhoso”. A artista Nina Hoss, 35 anos, vive desde os cinco anos de idade em Berlim e para ela não existe outro lugar na Alemanha. Ela gosta desse humor rude e dessa “coolness”: milhares de políticos e funcionários de Bonn estão de repente em Berlim, as ruas são permanentemente interditadas para as visitas oficiais diárias, em todos os cantos estão rodando filmes, “mas, realmente, ninguém se incomoda com isso. Berlim simplesmente absorve tudo”. Mesmo ela, a nova estrela da Berlinale deste ano, quase ninguém a nota. “Muito bacana”, diz ela, “muito normal. Aqui sou uma entre muitas pessoas”.



Chique de novo. Muitos se mudaram do centro de Berlim. Nenhum lugar da Alemanha viveu tal flutuação após a virada. Sobretudo famílias e pequenos vendedores foram embora. No Mitte ainda vivem 3.500 crianças. Para o centro mudaram-se os vidrados em clubes, os galeristas. Partes inteiras do Mitte estão vivendo o retorno do chique. De noite, eles deslizam com seus porsches, ferraris, vipers, estacionando folgadamente na fila de fora, na Praça Gendarmenmarkt, para ver, mas mais para ser vistos. Os ricos e bonitinhos da nova Berlim.

Olat Kretzschmar ainda viveu aquele tempo, quando o Mitte era o Arquipélago das Bermudas, como ele o chama. Foi no começo de 90. Um lugar caótico, com pátios interiores escuros que ainda não tinham caído nas mãos das autoridades, com porões embolorados que foram transformados, do dia pra noite, em clubes de música Techno. “Você tinha duas pranchas de madeira, um conjunto de som e o seu clube já estava pronto. A gente fazia tudo aquilo que era impensável no resto da Alemanha”. Tudo isso acabou. A anarquia, o underground, o caos – tudo isso acabou. Também no seu local, o conhecimento “Oxymoron”, no Hackescher Markt, são os “estabelecidos” que agora vão almoçar: dentistas, advogados, milionários da internet e políticos que por curto tempo querem fugir para a realidade.

Mas lá pelas onze da noite, são outros os tipos que entram pelas portas do “Oxymoron”, esse local com seus tapetes listados de dourado, com para-sóis franzidos e galhadas de cervos. Veem-se jovens com skates e tipos vestidos de preto que desaparecem pelas dependências interiores do local, numa “drum’n’tribe-party” ou numa “inner circle night”. Kretzschmar arranjou um meio de unir a juventude da cena com os estabelecidos, estando orgulhoso desta mistura. “O Mitte é assim mesmo. Uma mistura”. Kretzschmar fundou agora uma representação dos proprietários de clubes e organizadores de festas: em volta dos Hackesche Höfe ainda há o asilo de velhos ao lado do nobre restaurante italiano e o barzinho da esquina ao lado da galeria. “Mas a multiplicidade está ameaçada”, diz Kretzschmar. “Queremos manter esse underground”. Nos últimos dez anos gastaram-se cerca de 150 milhões de marcos em construções no centro de Berlim. E ainda há enormes buracos de construção, ruínas são demolidas, palácios são construídos. Surgem novas embaixadas, os Estados federais constroem suas representações. Não passa quase nenhuma semana sem que empresa, uma associação ou uma embaixada festeje a sua inauguração. O monumento do holocausto ficou pronto em 2004.

Para a Praça Alexanderplatz, o departamento de urbanização prevê uma espécie de pequena Manhattan. O Mitte ainda continua sendo um laboratório de experimentos, uma caixa de montagem, um canteiro de obras, do qual não só desponta a Praça Potsdamer Platz, mas também um segundo megaprojeto que começará a funcionar em 2005: a Estação Lehrter.

O ferro de passar roupas desliza sobre o fresco avental de farmacêutico. Brigitte Schröder, 62 anos, está em forma. E do pequeno rádio soam os Beatles pelo seu salão: “We all live in a yellow submarine”. Como naqueles tempos, quando ela, em 1969, abriu aqui o salão Gardinnenspannerei Schröoer. Naquela época só se podia ouvir os Beatles através das “emissoras inimigas”, e Walter Ulbricht era o número um na RDA. E o Mitte? Naquela época era só o Alex, um pedaço da Rua Unter den Linden e 80 metros da Rua Friedrichstrasse. Casas novas, restaurantes novos, lojas novas. Ela adora o novo Mitte. “De vez em quando boto uma roupa bonita, vou passear pela Friedrichstrasse, passo pela Linden e entro na Lafayette. Daí entro compro uma coisa bonita”. Ela não toma conhecimento de pessoas notáveis. Há tantos deles por aí, que ela não poderia dizer quem é quem. “Mas é bom que todos estejam aqui”. Só faltou encontrar por aqui, "Jorge" o vienense mais brasileiro do planeta, pedalando sua bicicleta e estacionando em cada café para uma cerveja gelada.

 


Autor: Celso Mathias
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