Ribble Valley, um lugar encantado; eu estive aqui!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A esta terra podia Shakespeare ter dedicado o verso “Green are the fields”. Verde é tudo o que nos rodeia. O conversível verde, um Lagonda original dos anos 30, acelera por entre os campos verdes. Derrapa nas curvas molhadas em direção a Chipping, a aldeia mais próxima, construída em pedra tosca, emoldurada por árvores centenárias, verdes e recentemente eleita uma das três mais belas localidades do countryside inglês no concurso anual “Best Kept Village Competition”.

Ribble Valley, um lugar encantado; eu estive aqui!


Toda a região do Ribble Valley, em Lancashire, a menos de uma hora de carro do aeroporto de Manchester, se estende em tons esverdeados e toda ela, para onde quer que se olhe, está conservada com rigor vitoriano. 

Verde de susto está também o passageiro que acompanha a destemida motorista, Janet Simpson, proprietária do hotel rural Gibbon Bridge. À entrada da vila, a motorista freia, dá uma guinada ao volante e o carro desliza perigosamente sobre a calçada esverdeada de musgo até ao muro do velho edifício bem em frente à porta do pub. Com o reflexo de um airbag, o carona apoiou as mãos no console de madeira com laca do velho Lagonda evitando uma colisão de terceiro grau entre a ponta do nariz e o pequeno pára-brisas. No balcão, enfim, a cor muda para o negro da cerveja Back Sheep. Depois de vários points, já de espírito relaxado, revive-se o passado em Lancashire, mesmo que só o assimilado pela leitura, e compara-se com o presente vivido ao longo de dias tranquilos e muito british. Tudo o que é inglês enquadra-se na perfeição da moldura destas paisagens: o espírito chá, scones e aventura de Enid Blynton, as séries com veterinários, as personagens de Conan Doyle, as aventuras de colégio, as lendas druidas, os épicos históricos ou os dramas aristocráticos. Mas tudo com a sonoridade saudavelmente campestre e inconfundível do Lancashire accent. 

É aqui que em 1612 o paranóico monarca Jaime manda os juízes de paz denunciar os súditos que não vão à comunhão protestante. E é nesse ano que são executadas no castelo de Lancaster as bruxas de Pendle Hill, meia dúzia de pobres mulheres camponesas, o marido de uma delas e um filho. As acusações vão da tentativa de curar uma vaca através de feitiços – o de uma questão relacionada com cerveja, cujo azedar teria sido provocado por artes obscuras, até pragas rogadas, manipulação de figuras de barro para causar doenças e reuniões suspeitas numa Sexta-feira Santa. A principal testemunha é uma criança de nove anos de idade, e como em tantos destes processos, a matéria da acusação acaba por ser plenamente coincidente com as confissões extorquidas. 

Das bruxas de Pendle Hill resta hoje em dia um temor histórico, transformado em lenda e em pequena indústria de souvenires. Mas os habitantes da região adoram contar outras curiosidades locais. Foi também em Pendle Hill que George Fox teve uma visão em 1640 que o levou a fundar a seita dos Quaker. Perto de Dumsop Bridge, numa das 44 aldeias do Vale de Ribble, encontra-se o centro geográfico de todas as ilhas britânicas, de acordo com um levantamento de 1992. E para quem não se impressiona com bruxaria, festivais de música, referências literárias, histórias em que se tropeça a cada passo, marcos geográficos ou uma paisagem classificada de Outstanding Natural Beauty, há mais: foi em Dunsop que a British Telecom instalou a sua 100.000ª cabine telefônica, devidamente assinalada com uma placa comemorativa. Se a cabine estiver ocupada e você quiser telefonar, não desespere e vá adiante: recentemente foi inaugurado o “Passeio através do Centro do Reino”, um percurso para caminhantes, à volta do vale de Ribble, com uma extensão total de mais de 70 quilômetros. 


Pendle Hill e o seu extenso planalto ainda dominam a paisagem e ao anoitecer não custa imaginar bruxas montadas em vassouras a esvoaçar pelos céus. Em meados de maio, o sol aquece o vale do Ribble, mas logo a seguir chuvisca outros tantos dias e as aldeias escondem-se entre bancos de neblina. Who cares? Quem quer tomar banhos de sol pode ir para a República Dominicana ou às Baleares. O countryside inglês é para outro tipo de gente. Basta sair à rua de chapéu de chuva na mão e dar meia dúzia de enérgicas passadas – umbrella quer dizer sombrinha mas a verdade é que serve mais para proteger da chuva do que do sol – e sentimo-nos logo um pouco gentlemantourist, mesmo sem casaco de tweed. E no topo das colinas há sempre uma casa que pertence a um lorde que por sua vez é dono de metade dos campos e aldeias. 


Depois dos longos passeios que a região oferece, ou de umas tacadas de golfe, quando a fome aperta, e se não encontrar nenhuma salsicha ao seu gosto entre as quase 60 diferentes espécies à venda no talho Cowmans em Clitheroe, não desespere.  A cozinha inglesa – definitivamente – não merece mais a má fama que tinha: está excelente e pode ser recomendada tranquilamente 

O conversível verde, um Lagonda original dos anos 30 pertencente a
Janet Simpson

Janet Simpson, a proprietária do Gibbon Bridge, um original hotel e restaurante de luxo (www.gibbon-brid-ge.co.uk) em Lancashire, organizou no Hotel do Caramulo uma semana gastronômica inglesa. Agora, quem quiser conhecer a cozinha de Janet Simpson e do chef Gary Baxton tem mesmo de ir até ao countryside inglês, a Ribble Valley, próximo da Escócia.

O Gibbon Bridge, a 45 minutos do aeroporto de Manchester, é um hotel rural de quatro estrelas, com heliporto próprio, salas de conferência, plataforma de pesca de rio, ginásio, tênis, produção agrícola ecológica e grandes e premiados jardins. Num total de 30 quartos, há até uma suíte com jardim privado, resguardado de todos os olhares. Contrastando com tanta sofisticação e luxo, a simplicidade da sua proprietária, Janet Simpson, que tanto dá uma mão sábia na cozinha como trabalha na recepção. No restaurante há especialidades imperdíveis: o Black Pudding, os queijos de Lancashire, o pato assado ou os excelentes pratos de salmão. 

 


Autor: Celso Mathias
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