A história de Vera; do Cumbe para o mundo!

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Faz pouco tempo que uma leva de euclidenses migrou para o mundo. Até os anos 60, entretanto, contava-se nos dedos de uma mão aqueles que cruzaram os oceanos. Um dos mais notáveis foi Durval Ferreira de Abreu que, por muitos anos, serviu no alto comissariado da OEA em Washington. Hoje, milhares de nativos e seus filhos, alguns nascidos no exterior, espalham-se pelos quatro continentes atuando em vários ramos da atividade humana, dos mais simples aos mais importantes. Buscando-se nas redes sociais, é possível encontra-los até como pesquisadores na área científica da universidade de Paris. Mas a história aqui é diferente e exclusiva: Vera Lúcia Macedo nasceu por volta de 1940 em uma casa de taipa numa viela que ficava à direita do final da Rua Joaquim Lima, entrando mais ou menos à altura do restaurante Bate Papo. Sua mãe, Salu, era lavadeira das mais influentes famílias da cidade. Depois de uma trajetória digna de romance, morreu na cidade de Roma em 2010 aos 70 anos de idade. Com vocês; a história de Vera!

A história de Vera; do Cumbe para o mundo!

Nasci na casa onde também nasceram minha mãe e os meus tios, a primeira à esquerda subindo a Rua Joaquim Lima, em frente ao bar do Mamá, onde hoje mora a minha tia Railda. Ao ter noção do mundo, já encontrei a Vera como irmã adotiva e uma espécie de babá. A Vera era considerada uma “menina danada”. Cuidava muito bem de mim e dos meus irmãos, mas vivia aos trancos e barrancos com minha mãe. Um belo dia, meu saudoso tio Zequinha que hoje dá nome ao Fórum Criminal da cidade de Vitória-ES, ”Fórum Desembargador José Mathias de Almeida Neto”, veio em lua de mel a Euclides da Cunha e, objetivando apaziguar o conflito entre minha mãe e Vera, levou a para morar com ele no Espírito Santo onde era à época, Promotor Público. Ouvi, na oportunidade, rumores nunca comprovados, de que a Vera seria de fato, filha do meu avô Joaquim Matias, portanto, minha tia.


Em meados dos anos 60, Vera se desentende coma mulher do meu tio e foge para o Rio de Janeiro. Três ou quatro anos depois dá notícias. Já estava morando em São Paulo e trabalhava como empregada domestica com uma patroa que lhe ensinou as noções de doceira. Retornou ao Rio de Janeiro e foi trabalhar como faxineira do Grupo Monteiro de Aranha, notadamente na sala de um dos seus diretores, o general reformado Juracy Montenegro de Magalhães, um dos mais importantes políticos da Bahia; duas vezes governador do estado, presidente da Petrobras e da Vale do Rio Doce (sem privataria nem roubos) deputado, ministro, chanceler brasileiro — famoso por sua frase “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”, que ao deixar a vida pública atou na iniciativa privada com muita desenvoltura.

Temperamento amaciado pela vida, Vera transformara-se em uma pessoa doce e prestativa. Sempre contava com a incondicional confiança das pessoas para quem trabalhava. No Grupo Monteiro Aranha, ficou intima tanto do velho general como da família Monteiro de Carvalho. Muitas vezes carregou no colo, Lilibeth que viria ser a primeira mulher do então futuro presidente da república, Fernando Collor de Melo.

Aprimorada na arte de fazer doces, Vera volta Para São Paulo contratada pelo Le Chalé, uma casa de fondue no início da Rua da Consolação. Em meados dos anos 70, uma nova mudança, desta feita para trabalhar como doceira para o celebre chansonnier Ivon Cury que acabara de inaugurar o Sambão e Sinhá na Rua Constante Ramos, altura do Posto quatro, a casa de shows restaurante-boate idealizado por ele e que se tornou conceituada, onde frequentavam presidentes da República, ministros e embaixadores. O percursor dos espetáculos de mulatas direcionado principalmente aos estrangeiros, Ivon vendeu tudo em 1984 e passou a dedicar-se novamente a carreira artística.

No Sambão e Sinhá, Vera permanece até 1985, último ano de Zico na Udinese, com quem vai trabalhar. Por lá ficou até início dos anos 90 quando recebeu convite para trabalhar com uma família importante de Roma.

Além dos inúmeros encontros que tive com ela em São Paulo e no Rio de Janeiro, fui encontra-la em Udine por volta de 1986. Uma coisa que me marcou profundamente foi o fato dela sempre me tratar como se eu fosse a criança de Euclides da Cunha. Mesmo anos depois quando casado, com mulher e filhos, nos encontramos em Florença.

As datas aqui não são precisas. A ideia é apenas falar de uma mulher de fibra e coragem que com um mínimo de informação sobre o mundo e até com dificuldade na leitura, ganhou literalmente o mundo!

Creio que em meados dos anos 70, Vera deu luz a uma criança que recebeu o nome de Antonio Fernando Macedo hoje radicado em Londres. Herdeiro do jeito habilidoso da mãe, Fernando chegou a fazer parte da Seleção Brasileira de Voleibol infanto-juvenil e do elenco da Rede Globo no grupo Balão Mágico.



















Na minha passagem por Udine, Vera pediu que entregasse a sua amiga, uma das irmãs de Anísio Catarino, quatro fotos que foram tiradas anos antes numa visita que a amiga fizera ao Rio de Janeiro. Hoje as encontrei nos meus guardados, o que me motivou a produzir esse texto.

Em Roma Vera trabalhava na casa de uma autoridade de alto escalão do Judiciário italiano e morava a alguns quarteirões do Vaticano dividindo o apartamento com uma amiga e sublocando os pequenos quartos, grandes para os padrões de uma cidade como Roma.















Vi Vera pela última vez no réveillon da virada do século. Com mulher e filhas eu passava uma temporada na Europa. De Veneza, onde me baseara, fui de carro para Florença e ali aluguei duas suítes num hotel icónico da cidade museu. Mandei buscá-la em Roma. Passamos a virada do século como merecíamos. Vera já obesa e com problemas de saúde, estava distante da mulher bonita e alegre que fora. Sobravam-lhe, entretanto, generosidade e coragem, duas marcas que carregou até a morte.

Seu corpo foi cremado em Roma e as cinzas atiradas ao mar da Boa Viagem em Salvador. Das suas inúmeras viagens, a última, naturalmente foi para o céu!

 

*Vera nasceu na travessa à direita ao lado do automóvel branco.

 

 


Autor: Celso Mathias
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