São Paulo sob hélices

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Em São Paulo, com cerca de 400 heliportos, viajar de helicóptero é quase banal para os ricos... Chamando o controle São Paulo. — Prossiga. — Na frequência Papa Tango Yankee Tango Vítor, venho de Alphaville, destino Serra Delta Serra November, Setor 3. É hora de ponta. As ondas radiofônicas chegam da estratosfera de São Paulo. Quatro dezenas de pessoas trabalham atentas às telas dos computadores: fundo negro, pontos móveis coloridos, linhas amarelas. Escutam os pilotos dos helicópteros. Dão ordens: — Afirmativo. Livre ingresso. Prossiga na rota Pinheiros, acuso final para Serra Delta Serra November.

São Paulo sob hélices

O responsável pelo Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo (SRPV-SP), organismo ligado ao Comando da Aeronáutica, sorri. Passeia com orgulho pela sala dos controladores, no aeroporto central de Congonhas, onde há sete anos, 17 de Julho de 2007, morreram mais de 200 pessoas depois do trágico acidente de um Airbus 320 da TAM. Nesta sala esbranquiçada funciona a única equipe que existe no mundo de controladores aéreos para uma área urbana. “Com o aumento do transito de helicópteros começou o risco de choque. Interferia, além disso, no funcionamento de Congonhas”, assegura. Desde 10 de Junho de 2004 o “dream team” com mais de 50 controladores — controla 102 quilômetros quadrados de superfície e um total de 110 heliportos. “Monitoramos o coração financeiro da metrópole e as principais áreas residenciais”, afirma. Continua: “Em São Paulo há sempre uns vinte helicópteros voando ao mesmo tempo. Em horas de ponta, chegam aos trinta. Por isso criamos 21 corredores imaginários, como ruas invisíveis por onde circulam os helicópteros.”

A grande São Paulo, com os seus 19,5 milhões de habitantes em área metropolitana, transformou-se em poucos anos numa “Blade Runner” tropical, uma cidade onde os executivos se esquivam dos engarrafamentos e sequestros a golpe de hélice. Elite, classe média, pobres, todos sonham em fazer-se deslocar bem longe das ruas violentas, numa cidade onde se é obrigado a percorrer grandes distâncias. Em São Paulo — 1.522,99 quilômetros quadrados, 16.500 quilômetros de ruas — reina a helicopteromania. As noivas querem pousar diretamente na igreja. No dia dos namorados, os casais sobrevoam a cidade entregues a um romantismo futurista. O Papai Noel troca o trenó por um helicóptero Bell “made in USA”. Os números falam por si: São Paulo/Helicopterópolis tem a maior concentração de heliportos elevados do planeta — quase 400. Em horas de voo é a primeira cidade do mundo. E em número de helicópteros, cerca de 1800, só Nova Iorque a supera.

Um ponto move-se no monitor. É um helicóptero Esquilo As 350 B3António Caio Gómez — um empresário de 45 anos — contempla sorridente a imagem aérea. “Gosto de observar a cidade deste ângulo. Utilizo o helicóptero para poupar tempo, ter mais segurança e comodidade”, afirma. Caio tem uma reunião no centro comercial Tatuapé, do outro lado da cidade. Sobrevoamos Jardins, um bairro luxuoso próximo da Avenida Paulista. Caio contempla fascinado o mundo lá em baixo: antenas, linhas emaranhadas de ruas, pontos que são pessoas, carros. Acercamo-nos da Universidade da Cidade de São Paulo, que tem o heliporto mais próximo do centro comercial Tatuapé. “Desde que viajo de helicóptero visito 12 lojas por dia em vez de quatro”, afirma Caio, sorridente. Este empresário comercializa óculos escuros, e a sua marca, Chili Beans, é líder no Brasil. Possui um império de quase 200 pontos de venda, a maioria em São Paulo. “A verdade é que nunca esperei vir a precisar de um helicóptero para visitar as minhas lojas”, afirma Caio. Avista-se o heliporto e, no alto, um homem com aspecto de extraterrestre — casaco impermeável, gorro protetor — faz sinais. Aterrissagem perfeita.

14 horas. Bairro de Jardins. Agora estamos ao nível do solo, no Hotel Rennaissance, Av. Alameda Santos. Nelson García, o gerente geral, e Eduardo Silva, chefe da segurança, esperam-me. Elogiam o seu heliporto, “o melhor da cidade”. “Os clientes que chegam de helicóptero fazem o ‘check in’ no piso 23. Não precisam descer à recepção”, afirma com orgulho Nelson. Enquanto subimos para o heliporto, Nelson menciona alguns hóspedes de honra. O Presidente Lula da Silva. Governadores. Empresários. Pilotos da Fórmula 1. A suíte presidencial fica por R$ 18.000,00 por noite e a aterrissagem por R$ 380,00. “Registramos umas três ou quatro aterrissagens diárias. Não só de clientes. O heliporto é utilizado pela Polícia Militar e mesmo por quem não está  hospedado aqui”, assegura Eduardo Silva.

Clovis Vermeri, diretor da América Air Taxi Aéreo, confirma a helicopteromania: “Em São Paulo, os helicópteros são multiusos. Transportam passageiros, fazem escolta a caminhões blindados. Operações de resgate, perseguição de assaltantes, cobertura de notícias, controle do trânsito. Tudo.” As suas tarifas vão dos R$ 800,00/hora num Robinson 22 para um passageiro aos R$ 6.000,00/hora num Bell 430 para seis pessoas. Acrescenta Roberto Nogueira, piloto de helicópteros com décadas de experiência na cidade: “Aqui, o helicóptero faz parte do dia-a-dia. Começou como um apoio à polícia nas perseguições aos assaltantes. Agora é uma febre. Algumas crianças vão às festas de aniversário dos seus amigos nos helicópteros dos pais. Um dia pilotei um helicóptero para um homem que, para reconquistar a sua ex-mulher, veio armado com um microfone para lhe cantar a sua canção favorita, ela numa varanda, ele na aeronave.”

Da pista de aterrissagem de Helicidade (um amplo heliporto) ninguém parece reparar na favela Jaguaré, com a sua descolorida sinfonia de casas de tijolo. O comandante Carlos Alberto Artoni, presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros (ABRAPHE), espera-nos. Artoni — 50 anos e olhar de “dandy” — fala com segurança: “Além de ajudar nos planos para regular o trânsito, sugerimos subir à altura mínima dos voos, até aos 200 metros, para não incomodar a população”. Cala-se, orgulhoso. Sabe que o trabalho da sua associação de 450 membros é pioneiro no mundo. Sorri: “Uma coisa é clara: quem quiser ouvir os trinados dos passarinhos, tem que ir viver para fora de São Paulo.”

Voltamos de novo ao solo e aos engarrafamentos. Dezenas de “motoboys” atropelam-se junto ao táxi e enquanto avanço pela saturada estrada marginal de Pinheiros — pista que dá a volta à cidade — até a Daslu, o centro comercial do “Jet set”, revejo as estatísticas. Quero compreender porque é que São Paulo é a capital mundial do helicóptero. Violência? Talvez: 48,2 homicídios por cada 100 mil habitantes é um número elevado. Sequestros? Cerca de 130 por ano. Riqueza? São Paulo reúne 58% das famílias ricas do Brasil (443.462). Dificuldade de movimentos? Não há dúvida. Em hora de pico forma-se normalmente cerca de cem quilômetros de engarrafamento. 

O taxímetro sobe a um ritmo alucinante, 30 minutos parado traduzem-se em R$ 88,00 para pagar. Os “motoboys” passam arranhando os retrovisores do táxi. Desigualdade? Pode ser: o salário mínimo é de R$ 788,00. Mas há mais, muito mais. São Paulo e a pobreza: 2018 favelas (números da autarquia, mas que muitos contestam). São Paulo e a desigualdade. São Paulo e o dinheiro, muito dinheiro — a área metropolitana gera 30% do PIB do Brasil. E luxo: no Brasil, o mercado do luxo movimenta R$ 2.4 bilhões por ano (75% corresponde a São Paulo). Não há lugar para dúvidas: a riqueza dispara a helicopteromania. As perguntas vão tendo resposta quase por inércia. Ou como diria o comandante Artoni: “Uma cidade com tanto investimento e com tanta violência tem que oferecer uma alternativa de transporte rápida e fiável. Por isso temos a melhor estrutura para helicópteros do mundo.”



Autor: Celso Mathias
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