Em Outubro de 1996, depois de três dias voando entre
Nova Iorque, Rio de Janeiro e Miami, os repórteres Celso Mathias e Marcus
Monteiro conseguiram entrevistar no escritório de Miami, onde cumpria seu
auto-exílio, o então ex-presidente Fernando Collor de Mello. Foi a sua primeira
fala após a cassação. A entrevista foi publicada com exclusividade na edição
173 Vida Brasil, há 13 anos
DEPOIS
DO SILÊNCIO
Fernando
Collor - Outubro de 1996 - edição n.º 173
Entrevista
concedida a Celso Mathias e Marcus Monteiro em Miami - USA
Fernando Collor de Mello para questioná-lo sobre a nova
leitura que estão fazendo do período em que ele presidiu o Brasil.
Encontramos o ex-presidente Collor de Mello instalado
no 19º andar de um edifício onde advogados locais e empresas como a Air France
mantêm seus escritórios. Na entrevista, ele faz uma revisão de seu governo no
período que o levou ao impeachment, evita citar nomes de quem ele considera
seus algozes e garante que foi deposto por um golpe. O ex-presidente espera o
retorno de seus direitos políticos -- cassados pelo Senado Federal - após a sua
absolvição pelo Supremo Tribunal Federal, "a mais alta corte da justiça
brasileira", como faz questão de lembrar.
VB- O senhor chegou muito cedo a altos cargos
políticos. Onde a idade ajudou ou atrapalhou a sua carreira?
- Eu diria que a idade ajudou bastante. Primeiro, por
ser um contemporâneo do meu tempo. Por ser uma pessoa engajada nesse novo mundo
que apareceu a todos nós neste final de século. Este é um fator positivo. O
segundo fator positivo da idade foi a vontade de realizar. A disposição de
trabalhar dia e noite servindo integralmente a meu país, ao meu Estado e ao meu
Município. Algo que se tivesse mais idade talvez não tivesse mais a disposição,
nem tampouco a saúde que lhe é exigida para que você cumpra na sua plenitude o
mandato que lhe foi outorgado.
VB- Quais os pontos negativos da pouca idade que podem
ter atrapalhado a sua carreira política?
- Os pontos não tão positivos eu diria que são
exatamente esse excesso de energia, vitalidade, de vontade de fazer as coisas acontecer
de forma rápida. Esse certo voluntarismo e também o fato de a idade não ter
permitido, naquele momento, conhecer melhor a natureza humana.
VB- O senhor teria hoje esse amadurecimento para tratar
com os políticos?
- Sem dúvida, o ato de eu ter me dedicado quase que
absolutamente à tarefa de administrar o país me deixou pouco tempo para tratar
da questão do relacionamento político com o Congresso Nacional. Eu deveria ter
dividido meu tempo para dar maior atenção ao mundo político, porque as regras
do jogo que estão aí são essas. Isso é uma exigência e, portanto, uma prática
da vida pública nacional.
VB- O que o senhor Paulo César Farias representou na
sua vida pública? Até onde as ações dele contribuíram para a sua saída da
Presidência da República?
- O Dr. Paulo César foi um dedicado tesoureiro de campanha do candidato do PRN à Presidência da República. Foi só isso que o doutor Paulo César representou na minha vida pública. As outras lições ficam por conta de especulações que não se comprovaram.
VB- O senhor sabe nominar quem foram os patrocinadores do seu processo de impeachment?
- São vários. São várias pessoas... Mas eu não devo
homenageá-los citando-os pelo nome. Alguns já não estão mais entre nós. Outros
foram julgados e condenados por comprovadas práticas menos nobres ao lidar com
o Orçamento da União. Outros foram
derrotados nas urnas e outros ainda estão aí exercendo mandatos públicos...
Enfim, eles sabem quem são. Porque, no fundo, no fundo, lhes dói a consciência
a maneira feita, a maneira baixa, covarde... (cerra os punhos e travando os
dentes, repete) covarde como eles promoveram o meu impeachment.
VB- A que o senhor atribui o fato de a mídia ter se
colocado contra o senhor durante todo esse processo que culminou no seu
impeachment?
- (Depois de um longo silêncio) É... Isso aí tem... Isso
aí... Isso aí fará parte do meu livro. Não quero antecipar nada agora.
VB- O senhor acha que houve maniqueísmo da massa
naquele momento?
- Sem dúvida. A população foi manipulada do ponto de
vista psicológico. Houve uma manipulação das massas pela propaganda contra
minha pessoa e meu governo. Essa foi uma violação brutal, sobretudo jovens da
classe média que foram utilizados como inocentes úteis nesse processo. Eu já
recebi várias cartas e visitas pessoais de alguns jovens que naquela época
tinham 13, 14 anos, e hoje com 17, 18 e até 21, chegam para mim dizendo que
agora entendem como eles foram utilizados naquele processo.
VB- A mídia que se mobilizou para levá-lo à Presidência
da República foi a mesma que contribuiu para retirá-lo do cargo?
- Claro! Eu não sei é se houve esse apoio à minha
campanha para a Presidência. Houve uma cobertura grande da mídia à minha ação
como governador do meu Estado. Até porque eram fatos que se criavam dentro do
Estado, era uma nova forma de administrar que se fazia necessário implantar não
só em Alagoas, mas em outros Estados do país. Isso era notícia e, logicamente,
a mídia divulgava essa ação. A partir do momento em que fui candidato à
Presidência da (Alguém
imaginaria um dia esta foto ?)
VB- Por que o senhor diz que está faltando ao governo
vontade e determinação política?
- Digo isto porque, em 1990, tomei posse em março e em
novembro já tinham eleições. Lembro-me muito bem que nem por isso deixei de
tomar todas as medidas necessárias independentemente da questão de estarmos
próximos ou não de uma eleição. Ao governo está faltando determinação, vontade
política e tutano para comandar as reformas e sensibilizar não só o Congresso
Nacional, mas a sociedade, para o acerto das reformas que precisa o país.
VB- Num dado momento do seu governo ventilou-se a
possibilidade da formação de uma coalizão e o hoje presidente Fernando Henrique
Cardoso, na época senador da República, foi convidado para ser ministro das
Relações Exteriores. Foi impedido por Mário Covas. Isso realmente foi verdade?
- Ele esteve para ser ministro dessa pasta duas vezes.
Quero dizer que, pessoalmente, tenho um grande apreço pelo presidente. Ele é
uma pessoa encantadora e sempre digo que é meu marxista preferido (comenta em
tom de ironia). Ele quis ser meu ministro e ficou encantado com a idéia. E eu
também fiquei encantado com o fato de poder tê-lo no meu Ministério porque,
quando fechei o acordo com o presidente do PSDB, na época Franco Montoro,
caberia ao PSDB os ministérios da Fazenda, que seria ocupado pelo deputado José
Serra, e das Relações Exteriores, pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Veja bem, eu estava composto com o PSDB
e entregando aos tucanos o Ministério da Fazenda, um partido adversário. Então
é claro que eu queria me cercar de pessoas que reputava como importantes. Mas
não tenho dúvida de que Fernando Henrique seria um grande ministro para essa
pasta, com muita desenvoltura, principalmente pelos salões. Você solta ele nos
palácios, em um lugar acarpetado, com boa música de câmera, com violinos, que
ele se sai maravilhosamente bem.
VB- Qual é a expectativa do senhor. Fernando Collor
pretende se candidatar antes do ano 2000, já que está sendo inocentado pela
justiça?
- Não farei nada para isso. Até porque não quero
retirar do Senado essa satisfação que ele deve a si próprio, enquanto
instituição. O Senado cassou o mandato de um presidente e os seus direitos
políticos única e exclusivamente na suposição de que as acusações que lhes
faziam eram verdadeiras. Muito bem, dois anos depois da investigação, eu sou o
político mais investigado da vida republicana do país. Investigaram toda a
minha vida e não encontraram nada
Ontem com Rosane.Hoje, com Caroline