Quando o filho sabe mais

terça-feira, 26 de maio de 2009

Crianças que calculam o que podem ganhar com as suas ações. Um pai economista, habituado à avaliação do desempenho e à atribuição de prêmios pelo sucesso alcançado. Uma equação de somar que pode acabar numa conta de subtrair e a certeza de que não há segredo que altere a tradição: educar exige bom senso e muito jogo de cintura.

Quando o filho sabe mais


A aplicação do regime de incentivos das empresas à educação infantil traz surpresas curiosas. Um professor universitário tentou.

As aventuras de Joshua Gans e seus três filhos resultaram num livro cheio de humor: “Parentonomics”, obra já citada, inclusive, pela bíblia do mundo econômico, o “Financial Times”.

As duas filhas de Joshua Gans, professor da Universidade de Gestão de Melbourne (Austrália), faziam parte das “crianças que fazem contas de cabeça”, como ele próprio as classifica. Já o rapaz, nunca revelou estas competências. Sendo economista, Gans diz que a delicadeza de ser pai está associada ao fato de “a paternidade envolver muitas escolhas relacionadas com pessoas/crianças que têm preferências distintas dos pais”. E é justamente pela existência de diferentes prioridades que acredita que o sistema de incentivos pode aplicar-se à educação infantil e a situações como a limpeza dos quartos, o comportamento em viagens, a realização dos trabalhos de casa ou o consumo de refeições saudáveis.

Foi no dia-a-dia que o professor universitário aprendeu a lidar com o que chama de “o desafio de ser pai”. “Não é algo que se possa colocar em andamento e se fique a assistindo à distância, até ver como vai acabar. Envolve gestão permanente e atenção contínua e pouco conhecimento da experiência com uma criança pode ser transferido para outra”, afirma Gans. Talvez por isso, a grande surpresa deste pai-economista tenha sido perceber como uma das suas duas filhas revelava apetências evidentes para a economia: “Fiquei muito surpreendido quando percebi que a minha mais velha era uma economista natural e tinha exata noção do custo das suas ações”.

Ao longo deste processo de aprendizagem mútua e permanente descoberta, Joshua Gans assume ter cometido inúmeros erros. “A maior parte das medidas que adotamos pela primeira vez falham miseravelmente”, recorda. Um dos episódios mais marcantes no livro é a questão de como treinar as crianças para a utilização autônoma dos banheiros. “Nunca fomos capazes de usar as nossas habilitações como pais para ter sucesso neste objetivo. Dependia, exclusivamente, do que a criança desejava fazer. No nosso terceiro filho, acabamos por desistir e entregar esta tarefa ao serviços externos (as educadoras)”, afirma Gans. Tudo porque a responsabilização da filha mais velha pela missão — atribuindo um prêmio cada vez que esta fosse cumprida — fez com que ela oferecesse repetidos copos de água à mais nova para que a recompensa fosse maior!

Como os eventos estudados na Economia, as crianças são imprevisíveis. Basta pensar na gigantesca crise econômica atual e na crise que se gera quando uma criança se recusa a obedecer às orientações paternas. Tudo parece derrapar em direção ao desastre. Salvaguardadas as devidas diferenças, quando o comboio descarrila, seja na economia, seja com os filhos, não parece haver otimismo capaz de salvar os envolvidos. “Os economistas também trabalham com o imprevisto e, por isso, nunca me preocupei se as situações não corriam como o planejado. Apenas tentava algo diferente”, explica Joshua Gans.

O professor universitário confessa, contudo, que não existem conexões reais entre a disciplina econômica e a missão de educar. A única grande semelhança, que justifica a existência do livro, “são as histórias, contadas de uma perspectiva econômica, que podem ajudar outras pessoas”, afirma.

Quanto ao sistema de incentivos, Gans, mais uma vez, aposta no humor para explicar a racionalidade da sua tese: “A regulamentação bancária é tal qual o exercício da paternidade — trata-se de levar alguém a fazer algo que não quer. E, se o sistema de incentivos (baseado nos prêmios e nas punições) é negligenciado, as coisas correm mal”.

 

 


Autor: Christina Martins
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