O nó da forca

quarta-feira, 20 de maio de 2009

É raro passar uma semana nos Estados Unidos sem que um nó de forca seja exibido em algum lugar. De cada vez o resultado é o mesmo: medo, indignação, protestos, intervenção da polícia e ações judiciais. A frequência das exibições e a força da reação a ela são prova do enorme e permanente poder simbólico deste nó na América.

O nó da forca

Todas as semanas é exibido nos Estados Unidos, para ameaçar ou amedrontar alguém, o laço criado há 250 anos pelo juiz que deu nome à palavra linchamento

Em Fevereiro deste ano, John Valles, um cabo-verdense de 23 anos que trabalha no principal aeroporto de Rhode Island, encontrou um nó de forca pendurado sobre a sua mesa. Passados alguns dias, os responsáveis por aquilo que disseram ser uma “brincadeira” foram despedidos. Em 28 de Março, Antonio Hawkins, pastor de uma igreja de maioria negra em Tampa Bay, na Florida, encontrou uma forca improvisada com o nó em frente da sua igreja, o que desencadeou uma investigação policial. A 16 de Abril, três estudantes da Lewis University, nos arredores de Chicago, foram presos por suspenderem um nó de forca no exterior de uma janela de estudantes negros...

É raro passar uma semana nos Estados Unidos sem que um nó de forca seja exibido em algum lugar. De cada vez o resultado é o mesmo: medo, indignação, protestos, intervenção da polícia e ações judiciais. A frequência das exibições e a força da reação a ela são prova do enorme e permanente poder simbólico deste nó na América. “Para mim, esta coisa que vi só pode ser descrita como um posto de linchamento. Fez que sentisse imediatamente arrepios pela espinha abaixo. A pergunta a fazer é: a quem se dirigirá a ameaça de morte?”, disse ao o reverendo Hawkins.

David Hudson Jr., da Vanderbilt Law School, escreveu um parecer jurídico em nome do Southern Poverty Law Center — o principal grupo antiódio do país — para defender a ilegalidade das tentativas de exibição pública do nó da forca. É considerado crime na Califórnia, Nova Iorque, Luisiana, Virgínia e noutros estados.

Algumas pessoas argumentaram que essa legislação infringe o direito constitucional de liberdade de expressão. Mas esse direito não inclui fazer ameaças, e Hudson defende que a simples exibição de um nó de forca constitui uma ameaça direta de extrema violência. “Talvez nenhum outro símbolo — nem mesmo uma cruz sendo queimada — represente melhor os horrores da violência racial perpetrada contra afro-americanos e outros do que o pernicioso nó da forca. Estes nós mostram apoio aos tempos de segregação e subjugação, exprimindo a essência da discriminação. Não simboliza apenas o racismo, também serviu como verdadeiro instrumento de linchamento de pessoas devido à cor da sua pele.”

A palavra “linchamento” tem origem no nome do agricultor da Virgínia que também era juiz ,Charles Lynch. Ele punia os ‘bandidos’ pró-ingleses durante a Revolução Americana, os linchamentos tornaram-se especialmente populares depois da Guerra Civil. Foi um instrumento favorito do Ku Klux Klan, com o qual aterrorizavam negros, os forçavam a renunciar aos seus direitos políticos e a regressar aos campos de algodão como verdadeiro trabalho escravo. O linchamento era muitas vezes desencadeado por pretextos tão insignificantes como um negro “agir acima da sua posição social” ou olhar para uma mulher branca.

“Nós, no Sul, nunca reconhecemos ao negro o direito de governar brancos, nem nunca o reconheceremos. Nunca acreditamos que ele fosse igual ao branco e nunca aceitaremos que satisfaça a sua lascívia nas nossas mulheres e filhas sem o lincharmos”, dizia há um século Benjamin Tillman, governador da Carolina do Sul e senador até a sua morte, em 1918.

O serviço de recenseamento do Estado tem registros de 4742 linchamentos entre 1882 e 1968, mas centenas, se não mesmo milhares, ocorreram antes disso. Embora a maioria das vítimas fosse negra, mais de 1000 eram brancos considerados “amigos dos pretos”. Entre 1880 e 1930 foram linchados mais de dois sulistas negros por semana, em média.


O último linchamento documentado oficialmente teve lugar em 1968. Contudo, quando, 30 anos depois, três homens brancos acorrentaram o negro James Byrd à parte traseira do seu caminhão e o arrastaram durante quilômetros através da cidade de Jasper, Texas, fazendo que partes do corpo lhe fossem arrancadas com ele ainda vivo, os meios de informação trataram o acontecido como um linchamento.

foi um linchamento, não teve o mesmo ambiente de celebração pública dos primeiros tempos desta prática. O Digital History Project registra que os “linchamentos eram frequentemente divulgados com muita antecedência e as pessoas vestiam as suas melhores roupas e viajavam grandes distâncias para a ocasião. O número do “Memphis Press” de 26 de Janeiro de 1921 tinha em título “Podem Ser Linchados 3 a 6 Negros Esta Noite”.

Sacerdotes e homens de negócios participavam geralmente nos linchamentos... Por vezes as companhias ferroviárias organizavam comboios especiais para permitir que os espectadores assistissem aos linchamentos. Os bandos de linchadores podiam chegar a 15 mil pessoas. Eram vendidos bilhetes para os linchamentos. A disposição destes bandos de brancos era exuberante — os homens aplaudiam, as mulheres excitavam-se e as crianças brincavam em volta do cadáver.

Embora o nó da forca se tenha tornado no símbolo dos linchadores, nem todas as vítimas tinham a sorte de morrer rapidamente numa corda. O “New York Tribune” descreveu assim um linchamento em Coweta County, Georgia, em 1899: “Sam Holt... foi queimado na fogueira numa estrada pública... Antes, o negro foi desprovido das orelhas, dos dedos e de outras partes do corpo... Antes do corpo arrefecer, foi cortado em pedaços, os ossos foram esmagados em pequenos fragmentos e mesmo a árvore contra a qual o desgraçado encontrou o seu destino foi cortada e distribuída como recordações. O coração do negro foi cortado em pedaços pequenos, tal como o fígado. Aqueles que não conseguiram obter diretamente as medonhas relíquias pagaram aos afortunados possuidores quantias extravagantes. Os fragmentos dos ossos foram vendidos a 25 cêntimos e cada pedaço de fígado calcinado por 10 cêntimos.”

Doria Johnson escreveu recentemente um livro sobre o linchamento do seu trisavô, Anthony Crawford, em Abbeville, Carolina do Sul, em 1916. Crawford era um proprietário abastado, pilar da comunidade negra, fundador de uma escola, presidente dos maçons negros, membro de um júri federal.

Mas quando se recusou a aceitar um preço mais baixo pela sua semente de algodão do que aquele que o agente pagava aos agricultores brancos foi preso por praguejar contra um branco. Uma multidão de 400 pessoas foi buscá-lo à cadeia, esfaqueou-o, espancou-o e enforcou-o. Os filhos foram obrigados a deixar a cidade. Depois disso, segundo Doria Johnson, muitos negros de Abbeville partiram... Se o Sr. Crawford foi linchado assim, então que segurança haveria para os outros?

Como disse o reverendo Antonio Hawkins, “o nó da forca significa mais do que uma ameaça de morte, é a ameaça de perder tudo aquilo por que se trabalhou: segurança, educação, a oportunidade de progredir como pessoa, a possibilidade de rezar como se quiser e de viver em paz”.



Autor: Tony Jenkins
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Existe 1 comentário para esta publicação
quinta-feira, 21/5/2009 por Nay Lauton
Violência que DÓI na alma
A violência, tenha ela a "cara" que tiver, é desprezível, porém essa violêcia tratada aqui neste texto é a pior possível, é mais que desprezível, ela envergonha a raça humana.
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