“felizes para sempre”?

domingo, 20 de junho de 2010

Uns trocaram os luxos que tinham por uma cabana. Outros mudaram de vida por um amor. Encontrar alguém que tenha feito os dois já é mais difícil. E se a cabana não tem água corrente? E se o espaço começa a ser pequeno para os dois? Será que “o amor e uma cabana” passou a ser tão improvável como o “felizes para sempre”?

“felizes para sempre”?


Aos 25 anos, Pedro Bestler tinha tudo aquilo com que a maioria das pessoas sonha: uma casa com piscina num condomínio fechado nos arredores de Madrid, um carro esportivo, um emprego fabuloso numa grande empresa ibérica, com um bom ordenado, uma carreira promissora como engenheiro civil, uma noiva lindíssima. O futuro parecia selado. E, no entanto, Wahido (o nome no qual se reconhece hoje, que recebeu em 2003, e que significa ‘Unidade’) não era feliz. “A realidade que me tinha sido proporcionada não me trazia felicidade, apenas me lembravam que o dinheiro e os bens materiais a que tinha acesso eram supostos fazer-me feliz.” Decidiu mudar de vida. De um dia para o outro, virou costas à alta sociedade onde sempre circulou, à educação conservadora do Colégio São João de Brito, pôs fim ao noivado e rendeu-se ao forte apelo que sentia de uma outra realidade para a qual despertara: a meditação, concentrada nas palavras de Osho, filósofo indiano e mestre espiritual. “No início de 2002, ainda que assustado com a idéia decidi ir para a Índia, para Puna, explorar a comuna de Osho”, conta. “Pela primeira vez na minha vida deixei tudo para trás para seguir o sonho de ser feliz.” Uma mudança que o levou a trocar os luxos por uma cabana e uma vida muito simples na Índia.

“Os meses alongaram-se para um ano, e uma intensa transformação de fora para dentro tomou lugar. A meditação tornou-se um conceito diário. Tirei um curso de massagem ayurvédica e tornei-me um perito em meditações de Osho.” Assumiu responsabilidades no resort, e ajudava na época de alta, a gerir as 2000 pessoas que ali vinham com o fim único de meditar. Depois desse ano na Índia, voltou para Portugal, e montou uma empresa de eventos orientados para o desenvolvimento pessoal. Durante dois anos, dedicou-se à atividade e adquiriu novas técnicas. Tornou-se mestre de shiatsu, deu sessões de life coaching, praticou Karma Ioga. A essa altura vivia em Sintra, num palacete — a Quinta da Paciência — partilhado por dez amigos que alugavam o espaço. E, a certa altura, surgiu Nura, uma bela mulher, meio tailandesa, meio alemã, que era babysitter de um dos filhos de Tony Samara, mestre espiritual que viria a ter um papel essencial na vida de Wahido. Nura participou num retiro que ele organizou, houve uma ligação imediata, e um ano mais tarde, casaram — “primeiro espiritualmente, depois, legalmente”. Mudar por amor. Desde Setembro de 2006, Wahido e Nura vivem numa vila nas montanhas a 100 km de Hannover, na Alemanha, juntamente com Tony Samara, trabalhando para a sua Fundação (a Samara Foundation). Em 2007, o casal viu nascer o seu primeiro filho, e em Novembro acolhe o segundo rebento. Pela mulher, assume Wahido, a vida dele tomou um rumo que de outro modo nunca teria tomado. “Foi por ela e pela sua proximidade ao Tony que saí de Sintra para o Algarve, depois para a Holanda (onde viviam com um desafiante orçamento semanal de €70), para Itália e finalmente para a Alemanha, onde nos fixamos.”

Hoje, sete anos depois de ter dado uma volta de 180 graus à sua vida, Wahido assume-se “sem qualquer dúvida” na hora de dizer se acha possível “trocar tudo por um amor e uma cabana”. “A minha primeira mudança de vida, para Barcelona, foi motivada em 90% pelo fato de a minha namorada estar lá e eu estar apaixonado. Mas, por este amor, basicamente troquei toda a minha vida.” Garante: “Fui tão feliz na Holanda, numa cabana de 25 m2, como no apartamento de 80 metros onde vivo agora. Até agora, o amor prevaleceu sempre nas minhas decisões.” Quando se lhe pergunta se é feliz, responde que, como todas as pessoas, tem dias de extrema felicidade e outros de extrema infelicidade. Mas é contundente ao assumir: “Não mudaria nada na minha vida.”

O terapeuta de casais Pedro Frazão concorda com a idéia de que não só se pode trocar tudo por um amor e uma cabana como isso pode fazer sentido. “É possível viver a idéia de ‘um amor e uma cabana’ não no plano das expectativas ideais, que muitas vezes minam a construção da realidade conjugal, mas no plano das opções de vida, num projeto comum que elege a afetividade como motor da construção de um sentido para a vida.” O psicólogo de 32 anos sublinha, no entanto, que mudar de vida em função das prioridades afetivas não implica abdicar da individualidade de cada um. “Não concebo o amor sem a idéia de liberdade individual”, defende. Aliás, “um dos grandes desafios dos casais passa precisamente por negociar os espaços individuais com os da conjugalidade. Uma relação que se torna numa cedência da nossa individualidade gera um peso muito grande. E o amor nunca pode ser uma prisão. O amor é liberdade”, remata.

A história de Neo. Foi por isso que ambas as mudanças de vida que fez por amor chegaram a um término, quando sentiu que a sua evolução e o seu percurso estavam a ser postos em causa. No dia 11 de Setembro de 2001, Neo estava num quarto de hotel em São Francisco, quando recebeu um SMS da mãe. Eram seis da manhã. “Voas hoje?”, perguntavam as letras acopladas em palavras na mensagem. Na verdade, Neo voava naquele dia — para o aeroporto de JFK, precisamente. “Liga a televisão.” Acendeu o aparelho no exato momento em que o segundo avião entrou, torre dentro, no World Trade Center, provocando uma onda mundial de choque e contendo um grito de silêncio surdo. “Foi um wake up call”, resume Neo Moreton, atualmente com 36 anos, “empresário, entrepreneur, professor e filantropo”, na sua própria definição. “Obrigou-me a parar.”

“Tive uma revelação. Eu e a minha namorada pensamos: ‘Que estamos fazendo? ’ Nenhum de nós gostava particularmente do seu emprego, apesar de trabalharmos que nem doidos, e pensamos: ‘ De que gostamos realmente? ’ Eu gostava de ioga, ela de cães. Desdobramos o mapa-múndi e decidimos onde queríamos viver. Escolhemos a Austrália.” Neo tinha 28 anos. Levava seis e meio de uma vida de “trabalho non-stop, festas de quarta a domingo, sempre cheias de excessos, com muito álcool e droga”

Parece impossível tratar-se da mesma pessoa que exala tranquilidade, sentada à nossa frente. Os olhos azuis, profundos, emanam paz, o sorriso rasgado lembra o de uma criança feliz, a respiração, calma, transmite a maior das serenidades. Mas a vida deste homem — sempre em viagem entre projetos de caridade, workshops de ioga e retiros de silêncio — era “um carrossel sem fim”. Trabalhava na área das dot com e da finança internacional. “Um dia típico começava comigo a entrar no avião em Nova Iorque ao domingo de manhã, chegar a Hong Kong 24 horas depois, ter um break fast de negócios, um dia cheio de trabalho, e terminar com um jantar às 23h.”

Foi justamente por aí que este englishman em Nova Iorque começou o workshop de ioga que deu no passado mês no VillaJoya, no Algarve. Partilha que também ele viveu uma vida acelerada, cheia de trabalho e de stress, que bebia muito para se divertir, que experimentou todas as drogas. Que o fazia sempre que se sentia vulnerável, para não mostrar medo, que se sentia sozinho, perdido.

A ida para a Austrália foi uma decisão “por amor e necessidade de mudança”. Durante o ano que viveu lá com a namorada, ele estudou ioga, ela aprofundou o interesse pelos animais. Até que Neo a pediu em casamento, no cenário perfeito de uma ilha deserta, ao largo da grande barreira de coral. Face à decisão, e achando que deveriam viver mais perto da família, o casal mudou-se para Espanha. Uma semana depois, ao volante de um carro por estradas do Sul, Neo teve uma fortíssima sensação de desconforto e percebeu que não queria levar aquilo avante. O noivado desfez-se, e o instrutor de ioga ficou quatro anos em Marbella, a dar aulas.

Um dia decidiu trabalhar para lá do corpo, e foi para a Índia, aprofundar mente e intuição. Em 2003, Neo quis conhecer o ‘ashram’ de Osho. Ali, conheceu a mulher, que estava a meditar. “Um olhar bastou para que soubéssemos que éramos feitos um para o outro”, conta. Trinta dias mais tarde, casavam, em Londres. Mas dois meses depois, Neo sentiu novamente, “no seu âmago mais profundo”, que não era aquilo. Esmagado pelo medo, a pressão social, a sensação de culpa de que ela mudara de vida por ele e que, portanto não lhe podia falhar, não agiu.

Durante três anos, viveram entre Londres e Espanha, partilhando os ensinamentos que tinham aprendido com os mestres. “Esta mudança foi feita por amor”, garante. “Levávamos uma vida simples, não viajávamos...” Mas ela era mais velha que ele, e enquanto ele estava ainda em expansão, ela queria relaxar, estar tranquila. Algo nele pedia mudança. Ela não o acompanhou. A separação foi inevitável. Hoje, Neo reconhece que aquele era “um amor romântico e luxúria — mas não era amor real”.

De coração partido, Neo garante só ter feito, desde então, uma mudança por amor: “a Deus”. Entregou-se e pediu-lhe que o usasse como lhe aprouvesse. Agora, estaria apenas disposto a fazer uma mudança de vida com alguém “comprometido com Deus, com a vida, com a existência”. Mas assegura que é preciso que ambas as pessoas sejam elas próprias para poderem ficar juntas. E que não existem mudanças duradouras feitas em função de algo exterior a nós: “Ao mudar por outro, perdes-te a ti próprio. A única viagem é ao teu interior. A partir daí, podes viajar para qualquer lado.”


Autor: Katia Delimbeuf
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