Afinal, o dinheiro traz ou não a felicidade?

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O dinheiro traz felicidade? Os «Happiness Studies», uma nova área da Psicologia, estudam a relação entre a situação material e o bem-estar subjetivo. Mas a importância de medir a felicidade das pessoas também entrou nos estudos econômicos. Todos procuram as respostas a duas perguntas: Afinal, o que é ser feliz? E quanto custa? Nos anos 70, uma equipe de investigadores, liderada por P. Brickman, entrevista 22 sortudos a quem tinha saído o primeiro prêmio na loteria. Inicialmente, todos se sentem mais felizes, mas passado pouco tempo os níveis de «bem-estar subjetivo», vulgo felicidade, dos recém-milionários voltam para valores iguais aos de um grupo de controle (que não tinha ganhado nada). Mais recentemente, novos estudos com ganhadores da loto no Reino Unido e na Alemanha levam a conclusões semelhantes: os premiados alemães só se sentiram mais felizes durante três meses e, entre os britânicos, se registraram passado três anos mais casos de depressões do que entre a média da população.

Afinal, o dinheiro traz ou não a felicidade?


Será verdadeira a velha máxima e o dinheiro não traz mesmo felicidade ou trata-se só de um caso de azar de principiantes?

«No que toca à relação com o dinheiro, parece que todos temos um ‘set-point’ de felicidade», diz Frederico Marques, professor de Psicologia. E será esse o ponto de equilíbrio a que voltamos, independentemente de termos muito ou pouco dinheiro. Frederico Marques dá outro exemplo: «Foi feito um estudo a calouros nas universidades de elite dos Estados Unidos, para perceber quais as aspirações financeiras que as pessoas tinham. Passados 20 anos, quem tinha manifestado aspirações mais altas estava em média menos satisfeito do que os que à partida tinham posto a ambição mais abaixo. “É importante tentar compreender a relação entre dinheiro e felicidade não como relação direta mas em função das pessoas serem mais ou menos materialistas.»

 “O dinheiro é o principal móbil do crime e não há registro de algum assaltante se ter deixado dissuadir pela idéia do psicanalista, filósofo e psicólogo social Erich Fromm de que «não se pode comprar a felicidade». Para Fromm, «a nossa economia de mercado assenta no pressuposto de que uma coisa que não custa dinheiro não pode trazer felicidade.”

 «The pursuit of happiness» (a busca da felicidade) é uma das idéias mais fortes da Declaração de Independência dos EUA é o pilar do capitalismo moderno. Mas a mesma fórmula encontra-se também na Declaração de Independência do Vietnam escrita por Ho Chi-Minh. Afinal, o que é preciso para se ser feliz? Uma mala cheia de dólares ou basta uma Ver uma tigela de arroz ? «Pursuit», a «busca filosófica», parece ter assumido o sentido de «caça feroz» e a felicidade parece ter-se tornado sinônimo de consumo desenfreado, que se realiza por um único meio: dinheiro.

Explique-se isto a alguém que não sabe como pagar a próxima prestação da casa: a maioria dos investigadores considera que o dinheiro não faz ninguém feliz. Entre os psicólogos esta leitura é dominante. Já os economistas andam mais divididos. Mas, apesar de economistas como Betsey Stevenson e Justin Wolfers estarem tentando desmontar o paradoxo de Richard Easterline («quando as necessidades básicas estão satisfeitas, mais riqueza não significa mais felicidade»), e a afirmar que maior riqueza assegura uma maior felicidade, os estudos mais consensuais insistem em que a curva da felicidade e a curva do rendimento crescem juntas, mas só até um PIB de aproximadamente 15 mil dólares. A partir daí, ou seja, asseguradas as necessidades básicas mais uns trocados para umas farras, as curvas deixam de apresentar qualquer relação entre si. Mas então o que faz as pessoas correrem como doidas atrás do dinheiro?

 «Todos querem ser sempre mais ricos. A pesquisa da felicidade chegou à conclusão de que não há um ponto de saturação para o dinheiro», diz Thomas Druyen, fundador da cátedra Cultura de Riqueza Comparada na Universidade Privada de Viena e consultor de vários bancos e fundações européias. «Três milhões de euros é o valor a partir do qual alguém pode viver muito bem sem ter que trabalhar, mas também os ricos querem cada vez mais dinheiro. É uma sede insaciável.» Druyen é categórico quanto à questão de o dinheiro trazer ou não felicidade: «Tem que se dizer isto claramente: a resposta é não.»

 “Nos anos oitenta, o homem mais rico da Alemanha, Friedrich Karl Flick, cometeu uma pequena extravagância: no meio do Atlântico, a bordo do seu iate, resolveu que os convidados teriam morangos silvestres à sobremesa e gastou várias centenas de milhares de dólares na logística de transportes aéreos para fazer a entrega de quatro quilos de morangos. Foi criticado pela falta de sensibilidade e por não respeitar a responsabilidade social que uma grande fortuna implica.”

  Um consultor de bancos e tantos estudos a dizerem o mesmo? Não estaremos perante uma conspiração dos ricos para os pobretões lhes correr em busca de esmolas? Uma coisa é certa: o dinheiro é o principal móbil do crime e não há registro de algum assaltante se ter deixado dissuadir pela idéia do psicanalista, filósofo e psicólogo social Erich Fromm de que «não se pode comprar a felicidade». Para Fromm, «a nossa economia de mercado assenta no pressuposto de que uma coisa que não custa dinheiro não pode trazer felicidade. As pessoas ainda não perceberam que a felicidade é uma coisa totalmente diferente, nasce de um esforço próprio e interior e não custa dinheiro nenhum. É a coisa mais barata do mundo». A coisa mais barata do mundo? E o prazer de brindar com Dom Pérignon no nosso próprio iate ancorado na marina de Monte Carlo ao pôr-do-sol? Uma ilusão, um clichê, dizem os psicólogos. Não torna ninguém mais feliz do que uma rodada de imperiais com os amigos sentado na esplanada do bairro. «É o modelo da passadeira hedonística, corremos e consumimos, mas não saímos do lugar. É como uma corrida ao armamento. Os ingleses têm uma expressão: ‘Keeping up with the Joneses’. Para agravar o problema, as pessoas hoje escolhem modelos de ancoragem que são irrealistas. Antes eram só os vizinhos, hoje a TV, as revistas e o cinema apresentam de uma forma não proporcional modelos bem sucedidos de classe média alta», observa Frederico Marques. Investigadores no terreno (Lyubomirski, Sheldon e Schkade) confirmam a idéia com uma fórmula pragmática: a felicidade compõe-se de 50% de predisposição genética, 40% de atividades positivas e só nos restantes 10% pesam fatores como o clima, a estabilidade democrática ou o rendimento.

 “Mas há uma ciência que conhece o gênero humano como nenhuma outra. Para J. Seinfeld, comediante e catedrático em «stand-up comedy», o pior público são os ricos. Porque dificilmente riem.”

 A razão apontada para o saldo bancário não ser proporcional à felicidade terá a ver com a capacidade de adaptação do ser humano. Andrew Oswald, que estudou os sortudos do totoloto, acrescenta: «A realização fácil de desejos materiais pode conduzir a uma decepção, por não trazer sensações nem de alívio, nem de paz, nem mesmo de segurança.» Nos anos oitenta, o homem mais rico da Alemanha, Friedrich Karl Flick, cometeu uma pequena extravagância: no meio do Atlântico, a bordo do seu iate, resolveu que os convidados teriam morangos silvestres à sobremesa e gastou várias centenas de milhares de dólares na logística de transportes aéreos para fazer a entrega de quatro quilos de morangos. Foi criticado pela falta de sensibilidade e por não respeitar a responsabilidade social que uma grande fortuna implica. A percentagem do rendimento mensal que K.F. Flick gastou na operação morangos silvestres corresponde aproximadamente a um professor primário ir comer ostras no botequim da esquina. Hoje Flick é o homem mais rico do cemitério de Velben na Áustria. Quase homônimo da terra onde está o mausoléu do bilionário, T. Veblen, economista e sociólogo, deu nome a uma análise conhecida como Efeito Veblen: em A Teoria da Classe Ociosa, Veblen descreve o «conspicuous consumption», um tipo de consumo de alguns ricos para dar nas vistas, para se distinguir dos outros. Mal sabia Veblen que o consumo ostensivo, que descreveu em 1899, em que o estatuto social depende diretamente do padrão de consumo, do nível de vida e da «aquisição sistemática de coisas supérfluas», se iriam tornar um fenômeno universal da sociedade moderna.

Mas não será que o dinheiro é melhor do que a sua fama, se for bem gasto? Se alguém não tem pão, mas tem dinheiro, qual o mal de comer brioches? E se alguém é infeliz por viver numa cidade poluída e competitiva, pode sempre ir viver no campo e ser mais feliz. Ou não? O fato é que a maioria das pessoas vai viver para cidades sobrelotadas e sem espaços verdes. É nas cidades que se fazem fortunas ou, pelo menos, se ganha o dinheiro necessário para comprar um plasma como os Miranda, ir de férias para Porto de Galinhas como os Martins ou para dirigir um carro, de preferência um modelo acima do dos Matos. «O dinheiro que temos é o instrumento da liberdade; aquele atrás do qual corremos é o da servidão», dizia Rousseau, roçando a verdade. Infelizmente é bastante difícil aceder a um primeiro «plafond» sem correr atrás dele. No dia em que se fizer um «reality show» para ver se um milhão de euros faz as pessoas mais felizes ou não, haverá aproximadamente dez milhões de europeus candidatos.

 “A razão apontada para o saldo bancário não ser proporcional à felicidade terá a ver com a capacidade de adaptação do ser humano. Andrew Oswald, que estudou os sortudos do totoloto, acrescenta: «A realização fácil de desejos materiais pode conduzir a uma decepção, por não trazer sensações nem de alívio, nem de paz, nem mesmo de segurança.”

  Alguns «felicitómetros» tentam medir coisas intangíveis, como o valor de ter amigos, do dom da música ou de um país vencer no futebol. Outros estudos limitam-se a uma pergunta simples: está feliz com a sua vida? Para o Eurobarómetro de Bruxelas, Portugal é o país da Zona Euro onde mais gente se diz «nada feliz». Outro índice de referência, o da Universidade de Roterdam, situa o nível de felicidade do português médio abaixo, por exemplo,do de um vietnamita (cujo PIB per capita é inferior em vinte mil dólares por ano ao de um português). «Na sociedade atual, o fato de muitas vezes fazermos escolhas que nos satisfazem menos tem a ver com a maior diversidade de opções. As pessoas tendem a fazer escolhas maximizadoras. Deviam fazer escolhas satisfatórias», propõe Frederico Marques. «Ter de escolher um entre vinte programas possíveis quando se sai à noite — jantar fora, cinema, discoteca, passeio de carro, teatro, beber com amigos, jantar com namorada, etc. — leva a que as pessoas se sintam menos satisfeitas. Ao escolher-se um programa, tem que se deixar os outros à parte. Há formas de tornar as escolhas mais satisfatórias. Por exemplo, assumir que as decisões são irreversíveis.»

Entre economistas e psicólogos, estudos e estatísticas, as opiniões e conclusões podem não ser unânimes. Mas há uma ciência que conhece o gênero humano como nenhuma outra. Para J. Seinfeld, comediante e catedrático em «stand-up comedy», o pior público são os ricos. Porque dificilmente riem.

 

 


Autor: Celso Mathias
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