O assunto voltou a estar na ordem do dia quando a atriz Mackenzie Philips, de 54 anos, lançou
uma biografia em que assume ter tido relações sexuais consentidas com o seu pai
durante cerca de dez anos. Mackenzie é filha de John Philips, um dos
fundadores do conjunto Mamas and Papas,
celebrizado na década de 60 com as músicas ‘California Dreaming’ ou ‘ Monday,
Monday’.
Além do livro, a atriz decidiu falar da sua experiência
no programa de Oprah Winfrey, onde assumiu que a relação paternal foi
contaminada pela forte dependência de drogas, problema que afetou pai e filha —
Mackenzie disse que começou a consumir cocaína aos 11 anos. Disse ainda
ter realizado um aborto, pago pelo próprio pai, embora não pudesse garantir de
quem era o filho, se de John Philips ou do seu marido. A atriz classificou as
relações que manteve com o pai como “incesto consensual”. John Philips morreu
em 2001, aos 65 anos, e Mackenzie assume ter confrontado o pai com a relação na
época da sua morte. Ele apenas teria respondido: “Queres dizer, fizemos amor?”
Com a divulgação deste caso na mídia, vieram à memória outras situações que ficaram célebres, como o já longo casamento entre Woody Allen e Soon-Yi, filha adotiva do cineasta e da atriz Mia Farrow. Allen e Soon-Yi estão casados desde 1997 e adotaram duas crianças. Mas o processo não foi fácil, tendo Mia Farrow acusado Woody Allen de ter molestado os filhos que tiveram em comum.
O escritor peruano Mário Vargas Llosa casou-se com
a sua prima Patrícia e ficou célebre o seu livro “Tia Júlia e o Escrevinhador”,
onde aborda as reações à relação. Charles Darwin teve dez filhos com a sua prima Emma. Albert Einstein também
optou por casar-se com uma prima, Elsa
Loewenthal. Por serem mais
banais, os relacionamentos entre primos — embora desaconselhados pelo senso
comum devido às suas eventuais consequências genéticas — acabam por não merecer
grande rejeição por parte da sociedade. Já os relacionamentos sexuais entre
pais e filhas ou de mães com filhos são encarados pela opinião pública, em
geral, como uma verdadeira aberração. Também tios com sobrinhas e sogros ou
sogras com noras ou genros. Nestes casos, a palavra que denomina a relação é
incesto e fica marcada como uma tatuagem em quem ousar ir contra o interdito
social. Uma das justificações encontradas pelos sociólogos para uma tão funda
rejeição, independentemente da proximidade do parentesco dos envolvidos, remete
para a confusão que estes relacionamentos geram no imaginário das pessoas. Por
exemplo, um pai que se casasse com a sua filha seria pai ou avô dos
descendentes que poderiam surgir desta união?
As próprias definições de parente próximo variam conforme a sociedade em causa. Além dos parentes ligados pelo nascimento, ditos consanguíneos, em alguns casos também podem ser considerados parentes aqueles indivíduos que se unem ao grupo familiar por adoção ou pelo casamento. O problema do incesto tem, portanto, confrontado a sociedade com os seus mais fundos receios, desafiando as leis canônicas e sido motivo de amplos estudos antropológicos, sociológicos e psicanalíticos.
Ficou célebre a interpretação de que o interdito das
relações sexuais dentro domesmo núcleo familiar representaria a passagem do
estado natural ou selvagem para o cultural. Os complexos de Édipo e de
Electra, embora potencialmente já ultrapassados na prática da psiquiatria
contemporânea, continuam a ocupar imenso espaço no imaginário popular. Para não
falar do peso do pecado, fortemente sublinhado pela tradição judaico-cristã que
moldou as sociedades ocidentais.
O interdito é de tal ordem que está vertido na legislação de muitos países. Alguns por exemplo, impedem e podem mesmo anular um casamento que se realize entre parentes em linha reta (pai e filha, mãe e filho, avó e neto), parentes no segundo grau da linha colateral (irmãos, quer sejam do mesmo pai e mesma mãe, quer sejam só da mesma mãe ou só do mesmo pai) e pessoas com afinidade em linha reta (sogro com nora, sogra com genro, padrasto com enteada, madrasta com enteado), seja esta ligação familiar legítima ou mesmo ilegítima.
Não há, contudo, nenhum impedimento legal ao casamento de um ex-marido com a filha que a ex-mulher venha a ter de um casamento celebrado após o divórcio. Liberdade que não existe se a filha for de um casamento anterior à relação da mãe com o homem em causa. A mesma lei impede, mas não pode anular um casamento que se chegue a realizar entre parentes em terceiro grau na linha colateral. Também não há objeção ao casamento entre cunhados. Nem do padrasto com a viúva do enteado.
A explicação para o impedimento das relações sexuais entre pessoas com vínculos familiares remete para a necessidade de conservação da espécie. Porque está provado que os filhos de parentes consanguíneos apresentam uma maior possibilidade de desenvolverem problemas genéticos.
Mas, normalmente, o lado emocional da discussão prepondera e a argumentação de que nem todas as relações têm como objetivo final a procriação é absolutamente secundarizada. Há, inclusive, uma página na Internet criada por um grupo de pessoas que defendem a possibilidade de se concretizarem relacionamentos sexuais entre parentes — o site http://www.geneticsexualattraction.com/ diz querer ajudar as pessoas que têm laços de consanguinidade, foram separadas à infância e que depois se reencontraram, tendo decidido formar então um casal. Mas os autores deste movimento fazem questão de se demarcar das interpretações estereotipadas, afirmando não ser um site de promoção do incesto, da fantasia, do abuso de crianças, nem pornográfico.
A questão genética é importante, mas todos os casais têm sempre de lidar com uma margem de risco de poderem ter filhos afetados por problemas de origem genética. Nos casais sem laços de consanguinidade, esta margem rondará os 3%, valor que aumenta, dependendo do grau de relação entre os membros do casal. Os primos-irmãos, por exemplo, partilham aproximadamente um oitavo ou 12,5% da sua herança genética. Há estudos, contudo, que desdramatizam esta situação, afirmando que o fator de risco de filhos com problemas resultantes do casamento entre primos em primeiro grau não se afasta muito da média geral, sendo calculado em 4,7%.
Fica evidente, contudo, que razões de ordem eugênica, ética, moral e social contaminam à partida a avaliação destas relações que envolvem emoções, sexo e família, consanguínea ou não. Porque, mesmo em relacionamentos consentidos, caso acabassem por ser banalizados, a família, como representação de virtude no imaginário social, poderia transformar-se num centro de paixões mórbidas e perturbações violentas. E isto, sim, é inaceitável do ponto de vista da coesão dos grupos humanos.