Filhos? Não, obrigado!

sábado, 20 de março de 2010

Eu não quero ter filhos, nunca quis e desde sempre o senti.» Numa frase, o Raios-X ao pensamento de uma mulher que chegou aos 40 sem querer viver os chamados prazeres da maternidade. O minúsculo coração batendo, que a ecografia revela o primeiro dia de escola, o soprar das velas a cada ano que passa os presentes do Dia da Mãe feitos por mão própria, são os momentos que Ana Godinho sabe que nunca vai viver. Simplesmente porque não quer.

Filhos? Não, obrigado!


 

«O fato de ser mulher não me obriga a parir.» O preço desta opção é alto, mesmo muito alto - já foi até razão de perdas no decurso da sua vida sentimental.

Assumir, de peito aberto, que a vida faz mais sentido sem bebês está, ainda, longe de ser fácil. «Antes, as pessoas tratavam-me como uma doente, diziam-me que não era normal, sentia-me colocada à parte e, muitas vezes, tratada como um ser estranho.» Agora já não acontece. Ana diz que «estar quase passando o prazo de validade» ajudou a afastar a conversa incômoda. O fato, explica, é que «nunca senti nenhum, tique, taque, tique, taque do relógio biológico para ser mãe»; o fato é que quando se tem filhos «acaba qualquer tipo de prazer individual e a vida como casal termina, começando a viver à custa das rotinas e das exigências das crianças».

Serão, então, os pais deste mundo masoquistas ou gente de visão limitada que incorre nessa espécie de autocondenação sem uma razão maior? «Não acho que o sejam, mas o que quero é que nos deixem ter outra opção e respeitem isso. Nem toda a gente é igual e há muita gente que tem filhos que não os deveria ter. Se há testes psicotécnicos para tudo, antes de se ser pai ou mãe deveriam ser obrigatórios.» A família nuclear de Ana sempre aceitou a sua decisão e já ninguém lhe pergunta: «Então, o bebê quando vem?» A própria justifica: «Nesta altura, também já seria ridículo.»

Ana Amaral e marido estão na faixa dos trinta e, apesar de convictos de que ter meninos não é uma fatalidade, combinaram que na sua vida conjugal não caberia um bebê. Verdade, verdadinha é que, frequentemente, esta é uma decisão de apenas de um dos membros do casal e que o outro aceita. E, neste caso, assim é. O marido de Ana «não é um fervoroso procriador, e a questão foi clarificada desde o início». Quando se apercebeu de que o seu egoísmo (a palavra é da lavra da própria) não era compatível com a maternidade, Ana decidiu arquivar qualquer projeto de procriação. Tinha apenas 20 anos mas tudo estava já claro na sua cabeça. Ana nem sequer invoca a sua carreira numa multinacional como principal razão. Diz antes que «a dificuldade de abdicar de todo um estilo vida e de alguns hábitos teria como consequência provável sacrificar uma criança». Hoje, a decisão continua a fazer sentido e Ana não tem dúvidas de que «a maioria dos amigos, conhecidos e familiares desejam, ardentemente, ver-se livre dos filhos por algumas horas». Para lá das línguas alheias, continuarão a fugir ao modelo de família tradicional: «Creio que a maioria dos casais só têm filhos porque essa idéia nos é incutida desde criança.» Estar convicta de que escolheu o caminho certo não significa que não o questione. Pensa muitas vezes se não estará a desperdiçar uma oportunidade. «Ter um filho pode ser uma coisa fantástica, afinal é um ser que até certa altura nos ama incondicionalmente.» A reversibilidade da decisão serve para acalmá-la nos momentos de maior dúvida. «Se mudar de idéias poderei adotar uma criança.»

Ter um filho é caro e, embora o elevado custo econômico desta decisão não seja razão invocada pelos entrevistados, o fato é que, desde o primeiro momento, um filho altera profundamente a economia de um lar. Desde o custo das fraldas até ao final da faculdade, um filho custará tanto ou mais do que uma casa. Comentava um dos entrevistados, pedindo para não ser identificado, que sempre comparou um filho a uma piscina: «É demasiado caro para o prazer que dá e podemos sempre usufruir da piscina (e do filho) dos amigos sem a parte chata.»

Diz quem está por dentro do tema que é muito mais difícil um homem assumir que não quer deixar descendentes. Será, talvez, por uma questão de virilidade, de sentido de obrigação de fazer os seus genes e o nome de família perdurar. Há, no entanto, exceções à regra. Nelson Silveira não quer ser pai e sabe-o há muito. Aos 43 anos já passou por alguns namoros, um casamento e um divórcio, e em nenhum momento se questionou. Vive nos Estados Unidos, a dois quilômetros de Manhattan, e é quadro da IBM. Onde mora, conta, «não querer ter filhos nem é assunto e deve ser das coisas menos estranhas que se vêem e ouvem por lá». Habituado a bons restaurantes, a viajar, sair à noite, vive com alguma sofisticação e muita liberdade de escolha. Se perder a vida que gosta de ter é o preço de um filho, então a conclusão é simples: com ele terminará o nome Silveira. No seu grupo de amigos, o «no kidding» (expressão que normalmente significa ‘não brinques comigo’ é agora usada como trocadilho neste contexto) é, quase, consensual. Gosta de crianças, elas existem na família, passeia e brinca com gosto, mas, quando a paciência esgota, deseja, ardentemente, voltar ao seu mundo, sem birras, sem reuniões de pais no colégio, sem festas de aniversário ao fim-de-semana, sem PSP ou Barbies no Natal, sem explicações de matemática nem ralações com saídas à noite na idade do armário. Admite que pode estar perdendo o maior amor da sua vida. Não sabe e, muito provavelmente, não saberá o valor do tal sorriso que os pais apontam como um bom preço a pagar pela vida que deixaram de viver no dia em que, numa qualquer maternidade, uma pulseirinha rosa ou azul, os ligou, para sempre, a um destino.


Autor: Adolfo de Castro
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Existe 7 comentários para esta publicação
terça-feira, 13/4/2010 por Valéria
Filhos - Um presente !
Sempre quis muito e não conseguia. Cheguei pensar que seria melhor assim, até que aos 40 fui agraciada com este presente maravilhoso. Passo algumas privações, mas não deixei de viver por causa da maternidade. E nada paga esse amor incondicional.
segunda-feira, 22/3/2010 por Maria
FILHOS...
Na minha opinião, foi a melhor coisa que fiz na vida: Ter gerado minhas duas filhas. Mas cada qual sabe de si. Esse é o livre arbítrio! Obrigada.
sábado, 20/3/2010 por Ester
Cada um sabe de si
A melhor maneira de viver é respeitar a vida dos outros. Não quer ter filhos, tudo bem. Eu quis, tive e foi a melhor das opções. Mas para outra pessoa pode não ser.
sexta-feira, 19/3/2010 por Celita
É uma opção
É uma opção que deve ser respeitada. Há quem sja vaidoso demais e prefira curtir a vida acuidar de filhos. há os que diante das barbaries do mundo prefira não correr o risco de Tê´los. Mas se não tê-los, como saber....
segunda-feira, 5/1/2009 por Luciana
FIlhos
Muito interessante!!
segunda-feira, 5/1/2009 por Roberto
Filhos
Muito interessante!!!
sexta-feira, 2/1/2009 por A
pq nao ter filhos
interessante
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