«O fato de ser mulher não me obriga a parir.» O preço desta opção é alto, mesmo muito alto - já foi até razão de perdas no decurso da sua vida sentimental.
Assumir, de peito aberto, que a vida faz mais sentido sem bebês
está, ainda, longe de ser fácil. «Antes, as pessoas tratavam-me como uma
doente, diziam-me que não era normal, sentia-me colocada à parte e, muitas
vezes, tratada como um ser estranho.» Agora já não acontece. Ana diz que «estar
quase passando o prazo de validade» ajudou a afastar a conversa incômoda. O fato,
explica, é que «nunca senti nenhum, tique, taque, tique, taque do relógio
biológico para ser mãe»; o fato é que quando se tem filhos «acaba qualquer tipo
de prazer individual e a vida como casal termina, começando a viver à custa das
rotinas e das exigências das crianças».
Serão, então, os pais deste mundo masoquistas ou gente de visão limitada que incorre nessa espécie de autocondenação sem uma razão maior? «Não acho que o sejam, mas o que quero é que nos deixem ter outra opção e respeitem isso. Nem toda a gente é igual e há muita gente que tem filhos que não os deveria ter. Se há testes psicotécnicos para tudo, antes de se ser pai ou mãe deveriam ser obrigatórios.» A família nuclear de Ana sempre aceitou a sua decisão e já ninguém lhe pergunta: «Então, o bebê quando vem?» A própria justifica: «Nesta altura, também já seria ridículo.»
Ana Amaral e marido estão na faixa dos trinta e, apesar de
convictos de que ter meninos não é uma fatalidade, combinaram que na sua vida
conjugal não caberia um bebê. Verdade, verdadinha é que, frequentemente, esta é
uma decisão de apenas de um dos membros do casal e que o outro aceita. E, neste
caso, assim é. O marido de Ana «não é um fervoroso procriador, e a questão foi
clarificada desde o início». Quando se apercebeu de que o seu egoísmo (a
palavra é da lavra da própria) não era compatível com a maternidade, Ana
decidiu arquivar qualquer projeto de procriação. Tinha apenas 20 anos mas tudo
estava já claro na sua cabeça. Ana nem sequer invoca a sua carreira numa
multinacional como principal razão. Diz antes que «a dificuldade de abdicar de
todo um estilo vida e de alguns hábitos teria como consequência provável
sacrificar uma criança». Hoje, a decisão continua a fazer sentido e Ana não tem
dúvidas de que «a maioria dos amigos, conhecidos e familiares desejam,
ardentemente, ver-se livre dos filhos por algumas horas». Para lá das línguas
alheias, continuarão a fugir ao modelo de família tradicional: «Creio que a
maioria dos casais só têm filhos porque essa idéia nos é incutida desde
criança.» Estar convicta de que escolheu o caminho certo não significa que não
o questione. Pensa muitas vezes se não estará a desperdiçar uma oportunidade.
«Ter um filho pode ser uma coisa fantástica, afinal é um ser que até certa
altura nos ama incondicionalmente.» A reversibilidade da decisão serve para acalmá-la
nos momentos de maior dúvida. «Se mudar de idéias poderei adotar uma criança.»
ico
desta decisão não seja razão invocada pelos entrevistados, o fato é que, desde
o primeiro momento, um filho altera profundamente a economia de um lar. Desde o
custo das fraldas até ao final da faculdade, um filho custará tanto ou mais do
que uma casa. Comentava um dos entrevistados, pedindo para não ser
identificado, que sempre comparou um filho a uma piscina: «É demasiado caro
para o prazer que dá e podemos sempre usufruir da piscina (e do filho) dos
amigos sem a parte chata.»
quando a paciência esgota, deseja,
ardentemente, voltar ao seu mundo, sem birras, sem reuniões de pais no colégio,
sem festas de aniversário ao fim-de-semana, sem PSP ou Barbies no Natal, sem
explicações de matemática nem ralações com saídas à noite na idade do armário.
Admite que pode estar perdendo o maior amor da sua vida. Não sabe e, muito
provavelmente, não saberá o valor do tal sorriso que os pais apontam como um
bom preço a pagar pela vida que deixaram de viver no dia em que, numa qualquer
maternidade, uma pulseirinha rosa ou azul, os ligou, para sempre, a um destino.